Jeffreys, Sheila. Gender Hurts: a feminist analysis of the politics of transgenderism. Abingdon, Oxon: Routledge, 2014. Traduzido com permissão da autora.
O mais importante espaço para as mulheres são seus corpos. A invasão masculina e a ocupação dos corpos das mulheres foram identificadas pelas feministas como o fundamento da subordinação das mulheres. Os homens têm, historicamente, vendido e trocado mulheres como propriedades no casamento e na prostituição de modo que seus corpos possam ser usados para sexo e reprodução (Lerner, 1987). A tentativa de tirar o controle de seus corpos por parte de homens individualmente e por parte de leis patriarcais e instituições têm sido talvez o mais importante ímpeto subjacente para a atividade feminista, porque sem esse controle mulheres não têm chance alguma de acessar qualquer outra forma de liberdade. O aborto tem sido a chave do ativismo feminista, de modo que uma mulher que não consegue controlar sua reprodução se torna um mero veículo aos propósitos alheios. Similarmente, o direito de uma mulher de definir sua própria sexualidade, de apenas ela mesma selecionar parceiros sexuais, de escolher o celibato, ou de escolher se relacionar sexualmente com pessoas cuidadosamente escolhidas, tem sido entendido como algo central ao direito das mulheres à autonomia. Talvez não seja surpreendente, então, que transgêneros de constituição masculina, alinhados à geração de homens que tem buscado controlar os corpos das mulheres, considerem que este seja um espaço importante de se ocupar.
O direito à autonomia sexual das mulheres é diretamente contraditório às tentativas de alguns ativistas transgêneros de forçar mulheres a disponibilizarem suas vaginas para uso sexual dos pênis desses homens. Em um extraordinário exemplo do que a cientista política Carole Pateman chama de direito masculino de acesso, alguns ativistas transgêneros estão agora procurando instilar culpa em lésbicas de modo a permitir acesso de pênis em seus corpos (Pateman, 1988). Isso está ocorrendo através de uma campanha para destruir o que esses ativistas transgêneros chamam de “teto de algodão” [no original, “cotton ceiling”], um termo que é baseado no entendimento feminista de que mulheres na vida pública encaram um “teto de vidro” que proíbe seu acesso aos santuários masculinos. O “teto de algodão”, um termo inventado pelo ator pornô transgênero Drew Deveaux, abrange as calcinhas das mulheres, que criam uma barreira contra a penetração por parte de pênis de transgêneros de constituição física masculina (Garmon, 2012). A idéia de que a relutância das mulheres e das lésbicas em servir estes pênis é um problema a ser abordado seriamente e superado conseguiu tanta aceitabilidade que a organização de caráter masculinista Planned Parenthood ajudou a fazer um workshop sobre o “teto de algodão” em sua conferência em Toronto chamada “Prazeres e Possibilidades” em 2011. Esse workshop era exclusivo para transgêneros de constituição física masculina, um espaço do qual as mulheres eram excluídas, e no qual esses homens poderiam discutir táticas para acessar os corpos das lésbicas ou de mulheres em geral que forem resistentes aos seus encantos (Planned Parenthood, 2011).
O workshop foi chamado de “Superando o Teto de Algodão: Quebrando as Barreiras Sexuais para Mulheres Trans Queer”, e era conduzido pelo ativista transgênero Morgan Page (Page, 2011). A descrição do workshop diz:
[O workshop] “Superando o Teto de Algodão” vai explorar as barreiras que as mulheres trans queer encaram dentro das amplas comunidades queer de mulheres através de discussões em grupo e da criação de representações visuais práticas dessas barreiras. Os participantes trabalharão juntos para identificar barreiras, traçar estratégias para superá-las e construir uma comunidade. (Page, 2011)
A campanha se baseia em instilar culpa, de modo que as mulheres são acusadas de “transfobia” ou “transmisoginia” em uma tentativa de induzi-las a admitir pênis não-desejados em seus corpos. Na campanha do teto de algodão, o direito à autonomia sexual das mulheres é redefinido como uma forma de discriminação contra pessoas de constituição física masculina, a qual deve se fazer oposição zelosa. Os transgêneros de constituição física masculina que fazem campanha para conseguir acesso aos corpos das mulheres desse modo chamam seus pênis de “lady sticks” [varinha de mulher[. A origem desse termo é um tanto informativa: É comumente usado em pornografia transgênera, onde homens com pênis são prostituídos para o prazer sexual de consumidores homens. Um site pornô transgênero, Shemale Models Tube, assim descreveu um dos transgêneros de constituição física masculina em um vídeo pornô: “Senhora Meat é uma garota safada que ama ter seu lady stick chupado o dia todo” (Shemale Models Tube, n.d.). É, portanto, irracional esperar que lésbicas e feministas suspendam sua descrença de modo a facilitar as vidas de fantasias sexuais desses homens com pênis. As demandas básicas das mulheres de terem o direito de definir suas próprias sexualidades e de escolher a quem vão amar são muito importantes.
Referências
LERNER, Gerda. The Creation of Patriarchy. Nova York: Oxford University Press, 1987.
PARTEMAN, Carole. The Sexual Contract. Cambridge, UK: Polity Press, 1988.
GARMON, Savannah. Requiem for a dialogue. 27 de janeiro de 2012. Disponível em: link — Acesso em 25 de julho de 2012.
PLANNED PARENTHOOD. Pleasures and Possibilities. 2011. Disponível em: link — Acesso em 25 de julho de 2012.
PAGE, Morgan. Overcoming the Cotton Ceiling. 2011. Disponível em: link — Acesso em: 25 de julho de 2012.
SHEMALE MODELS TUBE. Thick Black T-Girl. Sem data. Disponível em: link — Acesso em 17 de março de 2013.