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A pornografia como autoridade sexual: como a terapia sexual promove a pornificação da sexualidade

Traduzido de: TYLER, Meagan. “Pornography as Sexual Authority: How Sex Therapy Promotes the Pornification of Sexuality”. In: Big Porn Inc.: Exposing the Harms of the Global Pornography Industry. Melbourne: Spinifex Press, 2012.

A pornografia se infiltra cada vez mais em vários aspectos de nossas vidas. Frequentemente quando discutimos essa “pornificação” (Paul, 2005), trazemos exemplos que todos podem ver e que são fáceis de se reconhecer: moda, arte, propaganda, programas de TV, filmes. Mas a pornografia também está se infiltrando em áreas que não são tão óbvios para a vida pública, para o dia a dia: desde as práticas empresariais de empresas globais (Davies and Wonke, 2000; Lane, 2000; Rich, 2001) até as práticas em nossas relações íntimas (Dines, 2010; Häggström-Nordin et al., 2005; Paul, 2005; Tydén and Rogala, 2003, 2004).

Esses processos públicos e privados de pornificação não apenas envolvem a crescente exposição e influência da indústria pornográfica como também a intensificação da sua legitimação. Uma das formas mais proeminentes nas quais a pornografia se apresenta como legitimação da área de terapia sexual. Hoje, na terapia sexual, a pornografia não é apenas considerada como uma parte aceitável da prática sexual, mas um modelo sexual ideal a ser seguido. É a pornografia sendo apresentada como a autoridade sexual suprema, e ela oferece sérios riscos à libertação das mulheres. A recomendação de consumo de pornografia pode ser encontrada em muitos livros de auto-ajuda sexual, mesmo aqueles escritos por terapeutas sexuais conhecidos e respeitados (ver por exemplo Heiman and LoPiccolo, 1992; Morrissey, 2005; Zillbergeld, 1993). A pornografia é mais frequentemente recomendada como uma ajuda para os casais. De acordo com os terapeutas Striar and Bartlik, que escreveram sobre o uso da “erotica” na terapia sexual, a pornografia deve ser vista como um modo de “adicionar diversidade a uma relação monogâmica” (Striar e Bartlik, 1999, p. 61). Eles afirmam, particularmente, que ela pode ser benéfica para “casais com fantasias sexuais incompatíveis” (p. 61).

Este é um dos meios mais comuns pelos quais a pornografia é introduzida como parte da terapia sexual. A pornografia é usada para “introduzir o/a cônjuge a uma nova experiência sexual, que ela ou ele poderiam, de outro modo, achar desagradável ou inaceitável” (p. 61). Em casos como este, a pornografia, sob o conselho dos terapeutas, é promovida como uma ferramenta para ser usada quando se quer convencer um/a cônjuge indisposta/o a participar de um ato sexual do qual ela/e não deseja tomar parte. A ideia de que as mulheres deveriam “experimentar” e performar atos sexuais que não desejam se tornou um modelo popular para o comportamento sexual feminino em relações heterossexuais desde a “revolução sexual” dos anos 60. É uma ideia frequentemente reforçada e legitimada através da terapia sexual (ver Jeffreys, 1990). As mulheres ainda são encorajadas por terapeutas a satisfazer sexualmente seus parceiros homens, ainda que não tenham desejo em fazê-lo, ou ainda que experimentem dor ou desconforto (Tyler, 2008).

Por exemplo, em “Becoming Orgasmic”, um manual de auto-ajuda sexual largamente recomendado para mulheres, os terapeutas Heiman e LoPiccolo encorajam as mulheres a tentar sexo anal (uma prática sexual cada vez mais presente na pornografia) caso o parceiro, homem, esteja interessado na prática. O conselho dos terapeutas é: “Se houver algum desconforto, tente novamente em algum outro momento” (Heiman and LoPiccolo, 1992, p. 187). A premissa central é de que a dor e o desconforto das mulheres não é uma razão aceitável para descontinuar a prática, mas na verdade, uma razão para que as mulheres passem por mais “treinamento”, “formatação” e coerção. Em vez de compreender que o uso da pornografia como estratégia coerciva é prejudicial, os sexólogos exaltam as virtudes da pornografia, afirmando por exemplo que ela é útil para “dar ao usuário permissão para emular tal comportamento” (Striar e Bartlik, 1999, p.61). É exatamente o tipo de comportamento que se espera que mulheres imitem da pornografia que expõe ainda mais a forma com que a promoção e legitimação da pornografia na terapia sexual prejudica a libertação das mulheres. Mesmo o material pornográfico “mais respeitável” que é recomendado por terapeutas sexuais, práticas sadomasoquistas e atos como dupla penetração, ou DP como ela é conhecida na indústria pornô, podem ser facilmente encontrados.

Peguemos como exemplo o Sinclair Intimacy Institute, gerenciado por um “conhecido e respeitado sexólogo, Dr. Mark Schoen”(Black, 2006, p. 117). O instituto é constituído majoritariamente por uma loja que vende pornografia recomendada por terapeutas. No site do instituto, clientes são assegurados que a pornografia disponibilizada ali foi aprovada e selecionada por terapeutas que escolhem apenas “produções sexualmente positivas de alta qualidade” (Sinclair Intimacy Institute, 2007). Entre a lista de “produções sexualmente positivas” estão títulos pornográficos conhecidos como “O diabo na carne de Miss Jones”, “Jenna Loves Pain” (Jenna adora Dor) e “Garganta Profunda”. A escolha de Garganta Profunda é particularmente reveladora, dada a quantidade de publicidade em volta das circunstâncias de sua produção. Linda Marchiano (Linda Lovelace, na época da filmagem) detalhou em seu livro Ordel o abuso extensivo que sofreu nas mãos de seu marido e cafetão, explicando como ela era forçada, às vezes sob a mira de uma arma, a atuar em pornografia (Lovelace, 1980). Ela uma vez afirmou que “toda vez que alguém assiste aquele filme, a pessoa está me vendo ser estuprada” (quotada em Dworkin, 1981). Um filme assim ser rotulado como “sexualmente positivo” por terapeutas deveria ser a causa de uma grande preocupação. Mas Garganta Profunda não é um caso isolado. Tanto o diabo na carne de Miss Jones quanto Jenna Loves Pain receberam comentários elogiosos na proeminente revista da indústria pornográfica, Adult Video News. Os editores da Adult Video News (AVN) deram a Miss Jones uma recomendação estrelada, dizendo que “O sexo é universalmente bom e genuinamente agitado, lancinante, com dupla penetração e chicotadas na cena final…” (Pike-Johnson, 2005b, n.p.).

Tenha em mente que esses são os títulos com comportamento recomendados para que os casais assistam e emulem. Como se o título não fosse problemático o bastante, Jenna Loves Pain também recebeu um endosso caloroso da AVN. Seus leitores foram informados que o filme continha não apenas um sadomasoquismo moderado, mas que ela eleva os padrões do que é possível em filmes de BDSM” (Ramone, 2005b, n.p.). Para ser clara, estamos falando de filmes de fetiche que incluem atos de bondagem, disciplina e sadomasoquismo (BDSM) e infelizmente os terapeutas esperam que as mulheres imitem esse comportamento. Striar e Bartlike, por exemplo, informam seus colegas terapeutas que acessórios para facilitar as fantasias de dominação e submissão sexual como “chicotes, coleiras e vendas” (1999, p. 61) devem ser recomendados aos clientes e podem ser facilmente encontrados em sex shops. A promoção da dominação, submissão e outras práticas sadomasoquistas pode ser encontrada mesmo em vídeos de “educação sexual”aprovados por terapeutas. O Sinclair Intimacy Institute produz e distribui alguns dos mais conhecidos títulos do gênero de educação sexual. De acordo com a Dra Judy Seifer, uma das terapeutas do instituto envolvida na produção da série Better Sex (Sexo Melhor), os casais devem usar os vídeos “como livros didáticos. Pare a fita, congele a imagem, como se estivesse relendo um capítulo” (Quotada em Eberwein, 1999, p. 193). Este “livro didático”, no entanto, contém muitas, se não todas, as convenções heterossexuais da pornografia mainstream (Eberwein, 1999), incluindo temática BDSM.

A promoção do sadomasoquismo em vídeos de educação sexual é particularmente óbvia nos Kits de Better Sex do instituto, que incluem vídeos e brinquedos sexuais. Um dos kits se chama “Smart Maid” (Empregadinha Esperta). Consumidores em potencial são informados pelo website que “Se fantasiar e ser sexy para o seu parceiro faz parte de uma relação saudável…” (Sinclair Intimacy Institute, 2007b). O uso de fantasias, no entanto, é esperado unicamente das mulheres: o kit não oferece roupas masculinas. Neste caso em particular espera-se que as mulheres se vistam com uma “fantasia de empregada francesa”. O excitamento sexual advindo da servitude feminina que os homens devem experimentar é ainda destacado pelos detalhes que acompanham a caixa: “A seu dispor! Fantasias sexy e divertidas se realizarão quando ela usar esta fantasia transparente de empregadinha” (Sinclair Intimacy Institute, 2007b). Temáticas de dominação e submissão são também óbvias no kit “Tie Me Up, Tie Me Down” (Me amarre, me amarre), que inclui “algemas japonesas para mãos e pés” e uma venda de couro. A fotografia que acompanha o kit, não surpreendentemente, é a de uma mulher vestida com as assim chamadas “roupas educativas de BDSM” (Sinclair Intimacy Institute, 2007c). A promoção da pornografia na terapia sexual, no entanto, só explica em partes como ela tem sido, cada vez mais, colocada como uma autoridade em assuntos sexuais. Como consequência da legitimação que os terapeutas sexuais deram à pornografia ao longo dos anos – colocando-a como um modelo ideal no qual o sexo heterossexual deve se basear – estrelas pornô tem sido cada vez mais apontadas como “especialistas sexuais”.

Por exemplo, na coleção de 1999 “Sex Tips: Advice from women experts around the world” (Dicas sexuais: conselho de mulheres especialistas do mundo todo) editada pela terapeuta australiana Jo-Anne Baker, estrelas pornô, sadomasoquistas e mulheres prostituídas aparecem ao lado de outros terapeutas como “especialistas” (Baker, 1999). Ainda na intenção de manter essa tendência, muitas revistas masculinas do Reino Unido e EUA deram uma turbinada em suas seções de conselhos sexuais, apresentando estrelas do pornô em vez de terapeutas sexuais (Attwood, 2005, p. 85, mediabistro.com, 2007a, 2007b). Algumas estrelas pornô e mulheres prostituídas até começaram a lançar livros com seus conselhos sexuais. Títulos recentes incluem: “How to have a XXX Sex Life” (Como ter uma vida sexual pornográfica) (Anderson and Berman, 2004), que é baseado em conselhos de mulheres que foram contratadas pela produtora pornográfica Vivid dos EUA; “Sex Secrets of Escorts: Tips from a Pro) (Segredos sexuais de acompanhantes: Dicas de uma profissional) (Monet, 2005), escrito por Veronica Monet, uma ex prostituta e estrela pornô; e “How to Tell a Naked Man What to Do: Sex advice from a woman who knows” (Como dizer a um homem pelado o que fazer: conselhos sexuais de uma mulher que manja) (Royalle, 2004), de Candida Royalle, uma ex estrela pornô de alto nível, que se tornou pornógrafa. Em vez de competir com conselhos sexuais oferecidos por terapeutas com treinamento médio, os conselhos sexuais dados nesses livros frequentemente se baseia em ideias “médicas” sobre o sexo, e além disso, frequentemente reforça essas ideias se apoiando em exemplos de pornografia e prostituição.

A pornografia e a prostituição são promovidas nesses textos como a principal autoridade sexual no sexo, e lá, a erotização da submissão e degradação da mulher são temas recorrentes. Todos os livros de conselhos sexuais escritos por estrelas pornô afirmam que estar envolvida em prostituição e pornografia faz de você uma autoridade sexual, em particular, do sexo bom, do sexo que deve ser imitado. Na mesma linha dessas afirmações estão seções que oferecem dicas e sugestões para as mulheres sobre como melhorar suas próprias vidas sexuais, baseadas em experiências de mulheres prostituídas ou da indústria pornográfica. Como Monet coloca: “Você aprenderá técnicas sexuais que são a base dos serviços sexuais pagos” (Monet, 2005, p. 8). Isto é um grande problema para mulheres, considerando que essas dicas sexuais são baseadas num sistema que envolve um desequilíbrio inerente de poder, um sistema em que na maior parte, homens são os compradores e mulheres são produto (Barry, 1995, Jeffreys, 1997). É um sistema em que as mulheres são pagas para satisfazer sexualmente homens, sem a menor consideração pelo prazer das mulheres (Barry, 1995). Um sistema no qual mulheres são frequentemente abusadas fisicamente, sofrem de dissociação e frequentemente de transtorno de estresse pós traumático (Farley, 2003). É um sistema no qual a desigualdade das mulheres é fixada (Jeffreys, 1997). E ainda assim este é o modelo oferecido para que as mulheres imitem em suas vidas sexuais. Existem pessoas, incluindo os autores destes textos pro-pornografia, que tentam argumentar que na verdade a prostituição e a pornografia são liberadoras e podem acomodar e promover o prazer feminino e a igualdade (ver por exemplo McElroy, 1995; Monet, 2005; Royalle, 2006; Strossen, 1995).

Mas o conselho oferecido nestes textos com frequência mostra o quanto estes argumentos são enganosos. São frequentes as mensagens nos textos das estrelas pornô que imitam a literatura de terapia sexual, reiterando a importância de tentar algo novo para agradar o parceiro ou questionando certas inibições. Um exemplo disso vem do livro da Royalle: “Como dizer a um homem pelado o que fazer”. Ela afirma: “Nunca ache que você tem que fazer uma coisa que não quer fazer. No entanto, é sempre bom estar aberta e pelo menos dar uma chance a novas experiências. Pergunte a si própria qual é exatamente o motivo de você não querer assistir filmes pornográficos…” (2004, p.65). Royalle então explica para as mulheres que, uma vez que tenham concordado em assistir pornografia, provavelmente se depararão com algo que não querem assistir: “Talvez ele queira ver um filme ~sujo~ e você queira um filme mais leve… É simples: Se revezem! E não assista o filme de má vontade” (Royalle, 2004, p. 70). De fato, a suposição de que a princípio as mulheres não vão querer participar dos atos sexuais que são recomendados é evidente na maioria deste tipo de material de conselho sexual. Por exemplo, Monet aconselha as mulheres a “Se dar a chance de ultrapassar seu constrangimento inicial ou mesmo seus sentimentos de desprezo” (Monet, 2005, p.130). Os autores de “Como ter uma vida sexual pornográfica” também oferecem conselhos a respeito de “se libertar da culpa e das inibições” (Anderson e Berman, 2004, p.10). A sugestão, é claro, é de que esses sentimentos de desprezo ou incômodo a respeito de reencenar atos de prostituição ou imitar a pornografia são, de certo modo, infundados.

As mulheres não tem o direito de sentir deste modo e precisam trabalhar na superação de suas “inibições”. A pornografia é a ferramenta sugerida para ajudar as mulheres a aprender a ter reações sexuais mais “apropriadas e positivas”. Em “Como ter uma vida sexual pornográfica” só autores encorajam as mulheres a copiar os diálogos diretamente dos filmes pornô. Eles são francos em informar sobre o apelo sexual que envolve a degradação, explicando que: “quando a maioria das pessoas pensa em ‘falar sacanagem’ elas pensam em usar palavras sujas, até linguagem degradante para que as coisas esquentem. Quando funciona, funciona bem” (Anderson e Berman, 2004, p.49, ênfase da autora). Para exemplos práticos, os leitores são direcionados a assistir o filme pornô “Swoosh” porque o linguajar é mais vulgar, com diálogos como “É isso que você quer, sua put@ imunda?” ou “Aguente, vagabunda” (Anderson e Berman, 2004, p.49). Em uma outra intersecção entre a pornografia e a terapia sexual, um conselho parecido a respeito de “falar sacanagem” é dado pela famosa sexóloga australiana Gabrielle Morrissey em seu popular livro de auto-ajuda sexual, Urge: Hot secrets for great sex (Urgência: Grandes segredos para um ótimo sexo) (2005). Morrissey afirma que falar sacanagem serve à intenção de “esquentar o clima”, e pra apoiar essa afirmação ela apresenta um cenário em que um homem diz a sua parceira sexual: “Traga sua bucet@ molhada aqui, eu quero te f0der muito bem…” (Morrissey, 2005, p.442).

Não fica claro se Morrissey acredita que essa prática excita homens, mulheres, ou ambos, mas ela reconhece que em contextos não sexuais as mulheres consideram essas frases muito ofensivas. Ela comenta que: “Um mulher no quarto pode achar excitante que o homem grite ‘Car@lho, você é uma put@ imunda!’, mas se ele dissesse algo parecido na cozinha, provavelmente receberia um safanão…” Depois ela explica: “Tom, intenção e contexto são tudo” (p. 424). O contexto é importante porque, de acordo com terapeutas sexuais e pornógrafos, a degradação feminina é aceitável desde que seja sexual. Enquanto Morrissey afirma que as mulheres não devem ser abusadas ou ofendidas verbalmente na cozinha, o quarto é colocado como a fronteira final do respeito e da igualdade. O que nos leva novamente ao problema de basear o aconselhamento sexual num modelo de sexualidade que não é a respeito do prazer sexual da mulher, mas sim de sua subordinação sexual. Quando a terapia sexual deu legitimidade à pornografia, os processos de pornificação parecem ter se alimentado ao ponto em que estrelas pornô agora são vistas e aceitas como importantes terapeutas sexuais. Enquanto a pornografia e a terapia sexual continuarem mutuamente reforçando a compreensão de como deve ser o sexo, será necessário que as mulheres se coloquem fora desse modelo e reivindiquem uma sexualidade que é baseada em igualdade e respeito, que fundamentalmente rejeite a pornografia como autoridade sexual. E ao mesmo tempo em que é as dificuldades de desafiar este modelo crescem, cresce também a necessidade e importância de tentarmos.


Referências

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3 replies on “A pornografia como autoridade sexual: como a terapia sexual promove a pornificação da sexualidade”

olha só um exemplo de como feminiosmo liberal é nocivo e não podemnos mais foicar nessa de “divergência ideológica aceitável”

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