Adaptado de: DWORKIN, Andrea. “The Promise of the Ultra-Right”. In: Right-Wing Women. Nova York: Perigee Books, 1983. P. 13-35.
Socialmente, as ações de homens e mulheres são valoradas de forma diferente, sempre colocando mulheres em posições subjugadas. Elas são vistas, portanto, como “biologicamente conservadoras”. A ideia de que mulheres têm filhos porque por definição mulheres podem ter filhos, tomada como fato, pensa o ato de ter filhos (e as obrigações que vêm com isso) como instintivo e inerente às mulheres. Se o estado atual de coisas é supostamente mais seguro para as mulheres terem filhos, então isso seria melhor que os potenciais perigos da mudança.
Segundo os homens que filosofaram sobre o assunto, o imperativo biológico devido ao potencial reprodutivo das mulheres se traduz em mentes estreitas, vidas sem muito significado e, por conseguinte, puritanismo. Resultado dessa ideia: mulheres obrigadas a terem filhos, com exceção de alguns curtos intervalos onde os homens ficam meio desorientados — o exemplo dado no texto é o que resulta do sexo depois de certas revoluções.
Mulheres de todo o espectro político apoiaram conflitos onde seus filhos acabam mortos. Essa contradição mostra como a realidade das mulheres vai contra as teorias criadas sobre elas. Mas as mulheres enquanto classe acabam aderindo a normas e tradições de seu contexto social; se rebelar ao credo dos homens em volta delas é perigoso. A aquiescência das mulheres se dá em razão de conseguir alguma proteção da violência masculina para si mesmas.
Às vezes, essa conformidade é militante: provando sua fidelidade a estes princípios, ela pode encarnar a puta feliz ou a puritana fervorosa. Isso raramente a salva, contudo. Mas reconhecer essas traições dos homens pode ser o prego no caixão dessa mulher: confrontar a violência pode levar a mais violência. A luta é sempre contra “algo pior” que sempre tem a possibilidade de ocorrer, e a maioria das mulheres não tem condições de se dar ao luxo de reconhecer que não existe nível suficiente de lealdade aos homens.
Geralmente, as mães criam suas filhas para se conformarem aos valores ideológicos dos homens à sua volta, independente de orientação política. A maioria das meninas não quer a vida da mãe, mas às vezes acaba se conformando dada a violência masculina à volta dela. Mesmo quando se rebela, a filha acaba reproduzindo os padrões de sua mãe, e assim os homens acabam conseguindo atar mulheres em seu lugar de subjugação através de culpa e ressentimento.
Os homens sempre criam “tipos” de mulheres para odiarem e fazerem piadas internas. A caricatura da “mulher burguesa”, megera vaidosa que abusa da paciência do marido bondoso, por exemplo, está na boca de todos eles independente de classe social. Falar mal desse espantalho de mulher é instantaneamente gratificante aos homens. Outros tipos desses são a mãe judia castradora, a mulher negra matriarca raivosa, a lésbica que na verdade é frustrada porque queria ser um homem etc.
A maior piada entre os homens e a maior ofensa a uma mulher é reduzi-la ao seu sexo: a mulher é uma boceta, é um útero, e todo o resto do seu corpo (principalmente o que o caracteriza como humano) é cortado fora como inútil. A obcenidade favorita entre os homens é esse ser desmembrado.
Toda mulher, independente de sua condição, luta contra isso com todos os recursos de que dispõe, e eles são muito poucos. Por causa disso, elas sempre se agarram com todas as forças às próprias estruturas de poder que as degradam. É uma fidelidade cravada no auto-ódio, e é isso que define a própria feminilidade no contexto da dominação masculina.
O medo que Marilyn Monroe tinha de atuar a paralisava, independente de ela se saber capaz disso. No entanto, a atuação da atriz se dá dentro das espectativas dos homens que controlam os processos do audiovisual. O medo de Marilyn Monroe poderia estar ligado ao fato de ela mesma não estar convencida do papel de mulher que deram para que ela representasse. A morte de Monroe provocou nos homens que fizeram uso sexual dela ou de suas imagens o questionamento de que talvez ela não gostasse de todas as coisas que eles faziam a ela — é daí que viriam, talvez, os rumores de que ela poderia não ter se matado. A ilusão dela enquanto mulher ideal era encantadora demais para esses caras.
Mulheres morrem sozinhas e solitárias, sorrindo até o momento final, tentando encarnar a fantasia masculina que se coloca sobre elas. Talvez se elas fossem a mulher perfeita — esposa perfeita, puta perfeita, mãe perfeita —, talvez não sofressem tanto. Elas morrem não insatisfeitas com o que fizeram com elas, mas por não terem conseguido encarnar o papel imposto a elas pelos homens. Sua própria sobrevivência depende disso.
A sobrevivência das mulheres, portanto, é prometida em troca de sua conformidade com as correntes que as prendem. Elas não podem fazer nada que as destaque individualmente, que chame atenção predatória sobre si. Elas acabam esperando que essa atenção masculina destruidora caia sobre outra mulher, menos hábil em se conformar, que não elaa.
As histórias de violência sobre as mulheres são dispensadas e ridicularizadas como se fossem nada até mesmo por aqueles que dizem se importar. Para reconhecer a realidade e a validade das queixas das mulheres é preciso antes reconhecer a existência daquela pessoa. Nem homens nem mulheres acreditam da existência das mulheres enquanto seres dignos. Se as mulheres negam a validade de sua própria experiência vivida, elas não têm como reagir.
Para buscarem seu próprio valor, as mulheres acabam se aliando aos homens e aos seus valores. E se os homens demandam obediência delas, elas irão valorar sua própria existência enquanto servas deles, e não irão reconhecer o roubo da sua dignidade realizados por eles.
A direita nos EUA atua sobre as mulheres através da propagação do medo de que a violência masculina é imprevisível e incontrolável. Sua promessa se baseia na restrição dessa violência oferencendo:
- Forma: os homens moldam as mulheres através da ignorância, do não cultivo de suas capacidades físicas e intelectuais.
- Abrigo: a direita promete proteger as mulheres através da crença de que uma mulher sem um homem (ou sem uma família, um lar) está completamente à mercê dos perigos da vida.
- Segurança: em um mundo indubitavelmente violento com mulheres, a direita promete que, se a mulher se comportar direito nenhum mal cairá sobre ela.
- Regras: ignorantes em um mundo construído por homens, mulheres devem seguir regras para bem viver; a direita promete a elas um bom comportamento da parte dos homens, mas sem nenhuma garantia.
- Amor: o conceito de amor é crucial na aliança das mulheres; uma mulher será amada (e recompensada com a proteção do homem ou de deus, sendo Jesus o único homem a quem ela pode se submeter sem medo de ser violada) se for obediente em cumprir suas funções de mulher (maternidade e servitude sexual).
Jesus jamais é enxergado como um filho perfeito, ele é apenas uma outra encarnação do deus-pai. E as mulheres passam a vida tentando agradar esse homem ideal, sofrendo com seu próprio apagamento no processo. Jesus é o modelo de homem perfeito que as mulheres devem projetar sobre todos os outros, e através do qual as mulheres perdoam as faltas e abusos deles. As mulheres também são levadas a creditar ao próprio espírito santo qualquer lampejo seu de inventividade intelectual.
O casamento é a esfera onde, com a força da religião, as mulheres devem tolerar a servidão e levantar as barreiras de sua resistência. O desejo de servir Cristo leva as mulheres à conformidade e a realizarem as vontades de seus maridos. E a autoridade paterna sobre os filhos é o que justifica algum grau de violência física dentro da família e da vida doméstica.
Essa tentativa de se tornar perfeita aos olhos dos homens e de deus pode levar as mulheres a se verem e agirem como “one of the boys“. Assim, mulheres acabam lutando contra seus próprios interesses na tentativa de alcançar suas ambições individuais. Porém, eventualmente elas acabam descobrindo que são também mulheres e não têm acesso aos altos escalões. Mas é através da manipulação dessa habilidade desenvolvida nas mulheres de respeitarem aqueles que as usam que muitas dessas advogadas do antifeminismo conseguem converter outras mulheres à direita.
As mulheres da direita temem as lésbicas. A fantasia que elas criam entorno das lésbicas é que elas são estupradoras e abusadoras de crianças, independente da falta de qualquer evidência para embasar isso. O abuso cometido pelos homens acaba normalizado por ser heterossexual, enquanto que o desejo homossexual das mulheres é visto como monstruoso.
O aborto para as mulheres da direita, uma vez que elas abdicam de seu próprio valor, valorando mais um óvulo fertilizado que uma mulher adulta, é equivalente ao assassinato de crianças. Os fatos sobre o aborto — realizado principalmente por mulheres mais velhas com filhos, e que a ilegalidade do procedimento leva muitas à morte — não as convencem. O aborto seriam então um ato de mulheres cruéis e sem deus, o exato oposto delas mesmas. O reconhecimento do direito ao aborto seria, portanto, o reconhecimento da desigualdade de condições da mulher que é obrigada a parir um filho indesejado. Reconhecer que mulheres não queiram parir filhos indesejados é devastador para essas mulheres.
A direita americana é um movimento social e político quase que controlado totalmente por homens, mas contruído sobre a ignorância e os medos das mulheres, ambos consequências da dominação dos homens. Os sentimentos conflitantes, resultados dessa experiência de dominação, acabam projetados em outros, em estrangeiros, nos diferentes, não não-cristãos. Isso pode resultar em nacionalismo, racismo, homofobia e desprezo por aquelas mulheres que não tiveram tanta sorte — grávidas na adolescência, mulheres prostituídas etc.
Elas se apegam a esses ódios irracionais temendo danos aos seus, e projetando o medo em um “mal maior”. Uma vez não têm meios de externar essa raiva, acabam se tornando odiadoras obedientes e manipuláveis. Esse comprometimento com sua própria sobrevivência individual leva mulheres a não reconhecerem que estão jogando contra si mesmas. Com sorte, sua própria experiência da realidade pode levá-las a questionar sua posição inferior. Independente das crenças ideológicas de origem masculina que as mulheres possam adotar, essa é uma luta compartilhada por mulheres de todo o espectro político.