Tradução da entrevista original de Keira Bell para Raquel Rosario Sánchez na Tribuna Feminista. Sanchéz é uma escritora dominicana, especialista em estudos da mulher, gênero e sexualidade.
Quando tinha 14 anos, Keira Bell começou a sentir um imenso incômodo com seu corpo. Não se encaixava nos estereótipos de feminilidade e pensava que o problema era com ela. Odiava a possibilidade de se tornar uma mulher, e pensou que talvez o fato de detestar vestidos rosa e maquiagem indicasse que ela não era uma mulher. E se esse seu incômodo na realidade significasse que ela era um menino?
Em vez de questionar os problemas subjacentes (como a depressão, o ódio por si mesma e autoestima baixa) que ela apresentava com compaixão e cuidado, a Clínica de Gênero para a Infância do NHS (parte do sistema público de saúde da Inglaterra) disse a esta adolescente que ela era sim um homem, e que o melhor tratamento para seu desconforto era começar imediatamente a tomar bloqueadores para deter o desenvolvimento de sua puberdade.
Depois de três consultas (cada uma de apenas uma hora), Keira Bell foi direcionada a percorrer um trajeto que começou com bloqueadores de puberdade aos 16 anos, passou para hormônios do sexo oposto aos 17 anos e culminou em uma mastectomia dupla aos 20 anos. Até o momento, se desconhece o impacto de longo prazo deste tratamento experimental, incluindo seu efeito no desenvolvimento cognitivo e reprodutivo na infância, mas Keira hoje reconhece que esse tratamento médico não resolveu o desconforto que ela sentia.
Hoje, com 23 anos, Keira está processando a Clínica de Gênero Tavistock and Portman, que conduziu seu tratamento e continua diagnosticando centenas de menores de idade. a maioria dessas crianças são meninas que, como ela durante sua adolescência, se sentem confusas a respeito de seu sexo. Keira assegura que as crianças com disforia de gênero que chegam à clínica necessitam de um apoio melhor, e não de um “modelo afirmativo” que automaticamente as encaminhe ao uso de bloqueadores de puberdade e hormônios do sexo oposto.
RRS: Querida Keira, obrigada por falar conosco. Existe muito interesse nos países de língua espanhola no tema da medicalização da infância, que é chamada por pessoas adultas de “infância trans”. Você é uma ex-paciente do Gender Identity Development Center (GIDS) para menores de idade no Reino Unido. O que te levou a adentrar as portas desta “clínica de gênero” quando você tinha 16 anos?
KB: Dois anos antes, estive presa em uma depressão e ansiedade severa. Eu me sentia extremamente fora do lugar no mundo. Na realidade eu estava lutando contra a puberdade e contra minha sexualidade. Eu não tinha ninguém com quem conversar sobre esses temas. Me identificava mais com as lésbicas butch e inicialmente senti que havia encontrado a minha tribo.
Porém, aquelas mulheres que eu via na internet pareciam sentir-se bem com seus corpos, tendo relações sexuais etc. Foi assim que acredito que comecei a duvidar de mim mesma e questionar se talvez o problema não fosse outro. Quando topei com o transexualismo, pensei que era esse o meu caso, que eu estava destinada a ser um menino. Tudo isso fazia muito sentido para mim e eu me sentia identificada com essas mulheres (online) que haviam começado a experimentar uma transição médica. Senti que precisava começar a transição médica o mais rápido possível para atingir minha felicidade.
RRS: Você acredita que a internet, particularmente as redes sociais e os fóruns online, estão impulsionando o aumento das adolescentes que buscam trocar de sexo? Como você acha que as pessoas adultas podem questionar as mensagens difundidas por esses sites?
KB: Com certeza, isso tem aumentado exponencialmente na última década. Pelo que tenho visto, as redes sociais frequentemente são realmente danosas para as meninas, adolescentes e para as mulheres jovens.
Quando eu era adolescente, usava os fóruns e redes sociais virtuais como uma forma de descobrir e aprender sobre o mundo, e sei que isso fica certamente cada vez mais comum e extremo à medida que o tempo passa. É extremamente prejudicial.
As mensagens que se transmitem nesses fóruns e redes sociais podem ser questionados pela sensibilização das pessoas. Eu diria para as pessoas adultas que não fiquem caladas, que falem e resistam a essa propaganda que estão impulsionando.
RRS: Legalmente, uma adolescente de 16 anos não tem idade suficiente para conduzir um carro ou para fazer uma tatuagem, porém, somos testemunhas de um encorajamento mundial para considerar menores de idade “suficientemente adultos” para consentir com tratamentos médicos experimentais que alterarão sua vida para sempre. O que você acha que existe por trás desse encorajamento?
KB: Dinheiro.
RRS: Qual foi sua experiência e reação inicial ao uso dos bloqueadores de puberdade aos 16 anos, aos hormônios do sexo oposto aos 17 e à mastectomia mais adiante?
KB: Os bloqueadores hormonais eram vistos como um meio para chegar a um fim, e eu não gostava de tomá-los de modo algum. Estava muito feliz e emocionada de começar com os hormônios do sexo oposto, já que pensei que finalmente poderia começar a viver minha vida como achava que tinha que fazê-lo.
Quando chegou o momento da cirurgia, foi mais uma situação prática. Eu estava farta de usar as faixas apertadas para achatar os meus seios. Era doloroso e inconveniente. Também não gostava do aspecto dos meus seios, nesse momento ainda mais do que antes.
RRS: Olhando para trás, o que você pensa sobre esses anos de sua vida?
KB: Olho para trás com muita tristeza. Não havia nada de errado em meu corpo. Eu simplesmente estava perdida e não contava com apoio adequado. A transição me permitiu a facilidade de me esconder ainda mais de mim mesma. Foi no máximo uma solução temporária…
RRS: Como você acha que a sociedade pode abordar esse desconforto nas crianças e adolescentes, sem recorrer à práticas médicas nocivas?
KB: Precisamos começar pela forma como olhamos a não conformidade aos estereótipos da feminilidade e da masculinidade, e a não conformidade em geral. Quase todas as meninas e adolescentes (se não todas) que querem ou fizeram a transição, sentem que estão em um corpo errado porque não se ajustam a algo que esta sociedade considera importante ou necessário.
É preciso aceitar a não conformidade com esses estereótipos. Os modelos que temos como exemplos também são muito importantes. As jovens lésbicas ou as mulheres bissexuais, principalmente nós que somos negras, não temos muitos modelos a seguir. Também precisamos de um apoio melhor à saúde mental, que é uma grande medida preventiva. Acho que esse ponto se aplica a maioria dos países.
RRS: Ao longo dos anos, muitas pessoas adultas, em particular profissionais da medicina, participaram do seu tratamento. Algum desses profissionais expressou dúvidas ou te sugeriu não tomar essas decisões que alteraram sua vida?
KB: Na minha experiência, quando os profissionais fora da clínica de gênero me viam, hesitavam muito ao lidar comigo, já que (ao menos naquela época) a disforia de gênero ou o desejo de trocar de sexo era algo pouco comum entre os pacientes.
Me encaminharam à clínica de gênero, já que tinham a impressão de que lá se podia dar apoio especializado e terapia em um ambiente neutro. Mas este não é o caso. Uma vez que cheguei, ninguém me questionou em nenhum sentido. Ao contrário, desde o começo afirmavam que eu era mesmo um menino.
RRS: Em algum momento, logo que você se deu conta que a transição de gênero não ajudaria a aliviar o mal-estar que sentia, você tomou a decisão audaciosa de processar legalmente a clínica Tavistock. O que te motivou a tomar essa medida legal?
KB: Eu estava, e estou, desesperada por ver alguma mudança positiva. Fui resultado desse processo e vejo o quão prejudicial ele é, especialmente agora que o ato de medicalizar menores de idade que recusam os estereótipos de feminilidade e masculinidade se tornou um movimento social. Há muitas meninas que se sentem como eu me senti. As verdadeiras necessidades dessas meninas e adolescentes estão sendo ignoradas. Eu quero justiça.
RRS: O que você diria a uma menina ou adolescente que está questionando seu sexo e sente que precisa seguir o caminho da medicalização como única solução para seu desconforto?
KB: Eu me sentiria mal se não fizesse qualquer coisa para desencorajá-la. Nos últimos 10 anos, o ambiente mudou tão drasticamente que em todo o mundo se pergunta onde quer que se vá: “quais são os seus pronomes?” ou “qual o seu gênero?”.
Eu realmente incentivaria essa menina ou adolescente a limitar o seu tempo nas redes sociais, a ir para a natureza e, o mais importante: que pense por si mesma! Na minha opinião, quanto mais você se afastar do egocentrismo, melhor.
RRS: Hoje você é uma inspiração para muitas pessoas, particularmente para as mulheres jovens que também lutam contra a imposição da feminilidade. Qual será seu próximo passo na defesa desse tema?
KB: Ainda não fiz nenhum plano sólido, porque gosto de me mover com liberdade. Mas por agora, quero seguir conscientizando e militando para que, de alguma forma, possamos obter melhor apoio para saúde mental da infância que atravessa esse desconforto.
Agradecemos Keira por nos conceder essa entrevista. Agradecemos pelo seu ativismo valente em defesa dos direitos de meninas e meninos a uma vida livre de estereótipos e por uma melhor proteção da infância. Acompanharemos com interesse a liderança de Keira Bell neste assunto no futuro.
Nessas últimas eleições municipais, uma euforia otimista tomava os candidatos e militantes em campanha, uma resposta natural da luta contra a onda conservadora bolsonarista. No entanto, o efeito que repercutiu nas urnas foi o do refortalecimento da direita “normal”: ainda que o bolsonarismo tenha perdido bastante do seu espaço na esfera municipal, a esquerda retrocedeu mais uma vez. Aumentou o número de mulheres concorrentes e eleitas, e houve algumasprimeiras nesse pleito. Aumentou também a participação política das mulheres da direita, buscando se colocar como alternativa ou ocupando o posto de vice, fazendo campanhas que se valiam de sua condição de mulher como atributo positivo para os cargos aos quais pleiteavam. “A mulher mais votada do Brasil”, no entanto, não é uma mulher, assim como alguns outros casos que vêm sendo computados na conta delas. Isso significa muito pouca mudança no panorama representativo, porque mesmo que se afirmem mulheres, essas pessoas não se interessam nem apóiam as urgências específicas da nossa condição sexual.
Ainda que haja a preocupação com alguns temas que afetam mulheres, pelo menos na teoria, é somente quando elas estão à frente desses projetos que eles avançam, como foi o caso da Lei Maria da Penha, cujo projeto foi relatado por Jandira Feghali. O último avanço na legislação do aborto, o caso dos anencéfalos, foi uma decisão do STF de 2013, baseada em uma argüição da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde; perdeu-se no tempo a última vez em que a esquerda fez algum movimento ativo em direção a conquista da autonomia reprodutiva das mulheres. Por outro lado, projetos carentes de embasamento teórico-científico (ou mesmo dados demográficos básicos) que batem de frente com os direitos a princípio garantidos das mulheres e comprometem sua liberdade e segurança — como os PL João Nery e Gabriela Leite — foram discutidos em um momento em que o Brasil vivenciava o finzinho da sua última onda progressista. Quando a esquerda abraça uma “diversidade” baseada em sentimentos e autoidentidades, não há o que lhe faça olhar para a situação das mulheres, ao contrário: os direitos femininos param de importar.
Existe um punhado de interesses imbricados no que se convecionou chamar de “diversidade” e não é à toa que os patrocinadores dessa causa enfiam tanto dinheiro nela: os objetivos de um movimento como o transativismo não se resumem a acabar com o feminismo. O feminismo é, antes, a pedra no sapato deles, as mulheres inconvenientes que aparecem para acabar com a graça. O que o transativismo promove são ideais masculinistas, fetichistas, e até transhumanistas, uma vez que enxergam o corpo humano como descartável ou substituível por próteses, abrindo caminho através das possibilidades plásticas da Medicina e com a bênção de alguns de seus especialistas. O desprezo pela realidade de carne e osso dos corpos das mulheres fica visível quando seus membros se posicionam favoráveis a exploração sexual — vide o PL Gabriela Leite citado acima —, ao mesmo tempo em que se horrorizam com um cafetão lavajatista; ou ainda quando a gravidez subrogada aparece como alternativa para casais homossexuais, que só não virou pauta por essas bandas ainda por mera questão de a esquerda ter sido atropelada pelo trem do bolsonarismo. Nadadisso é novidade, apenas fruto de décadas de disputas internas da maioria masculina que controla a esquerda institucional e mulheres buscando participar na política.
Dado que a esquerda se aboletou dessa esfera pública de atuação, as poucas mulheres que resistem são levadas a um discurso de apaziguamento das diferenças — onde foi parar a diversidade? —, tendo que lidar com masculinistas fantasiados de gravata e de batom. Muitas desistem dessa disputa de soma-zero, às vezes obrigadas a se calarem, quando se dão conta de que a esquerda não se interessa pelas mulheres em sua prática política: a esquerda geralmente “endireita” quando o assunto é mulher. A diferença entre o masculinismo praticado pela direita do masculinismo de esquerda é que os homens do lado de “cá” precisam ser um tanto mais criativos — e ridículos, a ponto de não se diferenciarem da sátira — se quiserem continuar se beneficiando da exploração das mulheres ao mesmo tempo em que buscam passar uma imagem moral condizente com os ideais que pregam e afirmam praticar. Existem mil maneiras de ser misógino, eles apenas inventaram mais algumas.
À direita, até existe a preocupação de formar politicamente as mulheres que se interessam a militar dentro dos termos dos interesses dos partidos, mas essa empolgação é similiar ou pior que na esquerda: como na esquerda, as mulheres se filiam pela vontade de atuar e terminam tendo que alinhar expectativas caso queiram poder fazer qualquer coisa. Mesmo que a tentativa de disputar o espaço político institucional seja louvável e a resistência das eleitas naqueles lugares já conquistados seja essencial para o movimento de libertação das mulheres, é preciso romper esse ciclo masculinista. A esquerda em disputa não tem como ser conquistada com pedidos encarecidos aos companheiros: mulheres reais estão tendo problemas reais em virtude do masculinismo praticado por homens de todo o espectro político que, se de um lado, não se fazem de rogados no que diz respeito ao papel subalterno que reservam às mulheres, de outro, dizem que eles mesmos é que encarnam o nosso papel, e reservam a nós algo não muito diferente. À esquerda e à direita, as mulheres são empurradas para fora: as mulheres são um Terceiro Excluído no diagrama do espectro político.
Isso não significa dizer que “é tudo a mesma coisa”. Historicamente, a esquerda é a posição daqueles que advogam pela mudança, pela emancipação dos povos, pelo fim do sofrimento daqueles oprimidos pelas estruturas de poder. Escolher entre Bolsonaro e Haddad claramente não é “uma escolha muito difícil” para as mulheres feministas. Se é verdade que Haddad está a anos-luz de distância de Bolsonaro, também é verdade que ele nunca se portou como um aliado de mulheres, muito pelo contrário: seu programa da gestão municipal que visava auxiliar na formação de pessoas em situação de prostituição simplesmente não incluía mulheres, o grupo demográfico mais numeroso e prejudicado na exploração sexual.
Mesmo assim, as mulheres continuam sendo admoestadas à fidelidade de uma forma que nem os seus correligionários mais ilustres sustentam. Não se vê por aí o tipo de cobrança que as mulheres sofrem para serem puras e fiéis ao único lado do espectro que lhes promete alguma salvação, nominal e cheia de ressalvas. Por ousarem verbalizar as suas necessidades e priorizar a associação com outras mulheres igualmente interessadas em nossa libertação coletiva, mulheres são forçosamente rotuladas de “direitistas”, ainda que elas é que se mantenham coerentes com o compromisso da mudança social. O espaço que a esquerda costumar “ceder” para as mulheres sempre foi limitado: em geral, elas o tomam por sua própria competência no jogo político, por sua habilidade de navegar esses entraves todos. O transativismo aparece em um momento em que as mulheres brasileiras não se contentam mais com a subordinação que lhes é forçada e lutam em todas as esferas para se libertarem. É justamente por isso que a campanha do transativismo acontece na disputa pelo significado do sujeito político do feminismo; isso não é uma coincidência. Como a esquerda não vai nem pode sair de si mesma, as mulheres se vêem sem opção: a opção é fazer concessões demais a qualquer lado que se escolha.
O que significa “se associar à direita” quando se trata de mulheres, se os interesses das mulheres raramente estão na pauta da esquerda? Os direitos das mulheres são para quem, senão para todas, inclusive para as conservadoras, as esposas perfeitas, as alienadas politicamente…? Por que nem ao menos conversar com mulheres de outra visão e repertório, mas com interesses comuns, nós podemos? O que a esquerda teme que aconteça a elas se se aproximarem de outras mulheres? Quando foi que mulheres realmente conseguiram alguma coisa que não através de uma coalizão ampla, sem interesses masculinos e masculinistas atrapalhando? Liberais de direita e esquerda se valem do “progressismo” e das associações mais espúrias quando conveniente, mas mulheres são desencorajadas a se associarem entre si em troca de uma promessa vazia.
Falta à esquerda voltar às suas raízes e abandonar essas modas que, crias de seu próprio ambiente intelectual, casam direitinho com as políticas neoliberais e individualistas de direita a ponto de serem praticamente indistinguíveis. Cabe a nós, feministas radicais, sermos mais uma vez as portadoras das más notícias: sendo metade da mão de obra, da população, dos eleitores habilitados a votar, metade de todas as pessoas do mundo, não somos nós, mulheres, que lhes devemos fidelidade; a esquerda que lute na recuperação da nossa confiança para trabalharmos juntos. Nós simplesmente não temos porquê nos defender das acusações infundadas do crime de “associação à direita”, porque esse tipo de acusação só serve para tirar de nós um reforço de complacência: não somos nós que temos que convencer mais da metade do eleitorado de que temos uma boa proposta (ou mesmo qualquer proposta) para as mulheres enquanto agimos como um bando perverso. As mulheres não perdem nada se unindo e organizando uma pauta comum em função de seus próprios interesses, uma vez que essas oportunidades nos enriquecem na troca de experiências das diferentes formas de ser mulher e de suas muitas necessidades compartilhadas. Somos nós que estamos só começando, viu, Sabrina!
Texto de Jennifer Bilek para o Uncommon Ground Media. Traduzido livremente do original.
Trans que se identificam como mulheres que reconhecem a misoginia inerente ao ativismo trans precisam ainda confrontar sua própria objetificação das mulheres e sua participação nisso.
Miranda Yardley, um “trans do bem” que ficou conhecido justamente por ser “crítico de gênero”.
Em espaços onde se criticam as políticas de gênero nas mídias sociais, há alguns homens que se identificam como “trans” que se destacam entre a maior parte das vozes “trans” e frequentemente criticam os motivos que levam seus companheiros de saias que afirmam serem mulheres de verdade. Esses homens identificados como “trans” que entendem e afirmam indubitavelmente que são homens geralmente têm uma compreensão abrangente das mulheres que se posicionam contra o transativismo. Muitos dão voz às nossas preocupações em plataformas de mídia e recebem a ira de outros ativistas “trans”. Por esses homens entenderem porque mulheres não querem homens em nossos espaços privados, expressam claramente os malefícios da “mitologia de gênero” sobre as crianças, bem como a destruição da linguagem, da lei, dos direitos das mulheres etc na sociedade, eles são comumente laureados por aqueles combatendo a “mitologia do gênero” como “um tipo de mulher trans do bem”.
Kristina Jayne Harrison, um homem que se identifica como “mulher trans” que vivem no Reino Unido é um desses caras. Ele “se posicionou a favor dos direitos das mulheres ao aborto, ao seu direito de controlar seus próprios corpos, definições, espaços, e de dirigir sua própria luta contra o sexismo”. Ele não tem nenhuma ilusão quanto a ser uma mulher de verdade e luta “contra a autodefinição de identidade de gênero”. Harrison acredita que sua transição médica vem de seu comprometimento de performar um papel social do sexo oposto, e isso torna suas escolhas diferentes (leia-se: menos sexistas) que aqueles que não se comprometem a uma transição completa. Ele acredita que mulheres eram/são mais receptivas em seus espaços privados a homens que fizeram todo o processo de adaptação de suas características sexuais secundárias, até que o guarda-chuva “transgênero” apareceu para incluir aqueles homens não “comprometidos”. Sua própria apropriação dos nossos corpos sexuados parece lhe escapar. Harrison acredita que sua performance é “não apenas baseada em estereótipos de papéis sexuais impostos a mulheres”, mas também “refle a agência das mulheres, porque mulheres também são agentes ativas na construção de seu mundo”. Ele não enxerga nenhuma desconexão no fato de que não nasceu com um corpo feminino, que é o único descritor universal de uma mulher, não foi criado no mundo como uma mulher, mas agora fala como homem que se apropriou de características sexuais secundárias de mulheres, e as têm usado como uma fantasia para falar sobre nossa agência.
Não existem equivalentes de mulheres identificadas como homens falando sobre a agência dos homens nas plataformas públicas, usando o espaço público para discutir o que homens são. Todo mundo sabe o que é um homem. Ainda que esses homens sejam “bons” em desmantelar o sexismo inerente às identidades transgênera e transexual, eles sempre perdem o ponto central: a objetificação é um ingrediente essencial do sexismo, ao qual eles se apegam como se fosse um bote salva-vidas. O custo do transativismo é a continuação do sexismo e da opressão das mulheres no mundo todo.
Debbie Hayton é outro homem que se identifica como “mulher trans” no Reino Unido que tem feito muitas aparições na mída e tem sido uma voz sólida no Twitter, apoiando aqueles que resistem à mitologia do gênero. Hayton, em uma entrevista bastante interessante com Benjamin Boyce, um produtor de mídia independente de agenda flexível, disse que evoluiu ao ponto que não necessariamente se identifica como mulher, mas mantém o desejo de “assinalar sexo” da mesma forma que “mulheres assinalam sexo” na sociedade. Ele sugere que “ser trans” é “o que ele faz, e não o que ele é”. O desejo de se ver como mulher, ele acrescenta, é para si, não para atrair a atenção de nenhum pretendente. Ele se entende como um autoginefílico.
A autoginefilia é precisamente o fetiche sexual masculino de enxergar a si mesmo como mulher. O que torna isso um fetiche, além do fato de estar fora do desejo “normal” ou “médio” por outras pessoas, é sua característica obsessiva, que Hayton assume, e seu foco na objetificação. Um fetiche implica uma fixação em um objeto particular para gratificação sexual. Homens que desenvolvem um fetiche de “assinalar sexo como as mulheres” necessariamente objetificam mulheres e a mulheridade. Para incorporar — como fetiche — o sexo oposto, essa pessoa precisa se desassociar de seu próprio corpo. É isso que o sexismo faz, e é isso que o transgenerismo também faz. Eles desassociam, desmembram e objetificam mulheres.
Em suas entrevistas, Boyce e Hayton discutem a vergonha social dessa propensão sexual particular e como isso contrasta com as marchas e eventos do orgulho LGBT. Ambos, inconscientemente, agrupam o trangenerismo com as relações e a atração entre pessoas do mesmo sexo — ou, pelo menos, discutem-nos como se fossem coisas aproximadas. Mas o desejo ou as relações entre pessoas do mesmo sexo não são obsessivas, não indicam dissociação nem a encorajam, não são fetiches nem necessariamente objetificam ninguém. O transgenerismo, por outro lado, é brilhantemente desconstruído pela Dr. Em em um artigo recente como um constructo social que tem suas raízes originárias no sexismo — na objetificação. Hayton parece entender isso — ou pelo menos chega perto. Ele diz que sua “identidade” como “trans” no momento é um compromisso com a sociedade. Ele não tem certeza de como lidar com seu desejo por objetificar mulheres ou “passar”, porque uma vez que “passe”, mesmo que isso lhe dê satisfação, o faz se perguntar se está mentindo para a sociedade. Ele está. Ele também entende, pelo menos agora, que o transgenerismo é um paliativo. Falando com Boyce, ele avalia o custo disso tudo para si e para sua família ao longo da vida e se pergunta se valeu a pena.
O que Hayton não considera é o custo disso para a sociedade. Esses homens, “identificados como mulheres”, “passando por mulheres”, com ou sem cirurgia, entendendo ou não sua situação, ainda estão objetificando mulheres. É incrível como eles chegam muito perto de compreender isso, de entender o quanto isso é destrutivo na sociedade, são capazes de descrever o problema eloquentemente para outras pessoas, e não têm qualquer pretenção de abandonar isso. Ainda se chamam de “mulheres trans”. Eles não são apenas caras que curtem batom e saias. Não estamos falando de Boy George ou do Prince aqui. Eles querem “assinalar sexo da mesma forma que as mulheres o fazem”. Eles querem se agarrar à sua obsessão pela objetificação das mulheres não importa quais sejam os custos disso para as mulheres no mundo real, sendo que essa é precisamente a forma como muitos homens se comportam. Eles não consideram o desenvolvimento da tecnologia e da farmacologia envolvidas na modificação de características sexuais, quando o que significa ser humano significa também fazer parte de uma espécie dimórfica, e como esses desenvolvimentos podem ser usados na manutenção dos estereótipos de sexo na sociedade.
Que esses caras entendam que o objetivo do transgenerismo é apoiar o aparato sexista através de avanços tecnológicos e farmacológicos que permitem a encenação de uma mentira social, não busquem a destransição nem falem enquanto os homens que são contra a transição, me lembra dos trabalhadores que furam greve ao passar por um piquete dos grevistas. Esses trabalhadores fazem examente o que o xingamento que recebem, “sarnentos”, descreve: sabem o que estão fazendo e continuam a fazê-lo, se beneficiando às custas de todos os outros que assumem a greve.
Os “trans do bem” não são tão ruins quanto os “do mal”, que descaradamente nos objetificam enquanto nos zombam e colecionam elogios de bravura enquanto isso, mas não são tão bonzinhos quanto a gente acha. Quando estiverem dispostos a assumir sua hombridade e pararem de tratar mulheres como se fôssemos objetos ou talismãs de desejo por conta de sua posição desconfortável na estrutural social dos estereótipos de sexo impostos a si, talvez aí eu tenha mais consideração por eles. Hacsi Horvath e Walt Heyer são homens assim. Ambos destransicionaram e se dispuseram a falar, como homens, sobre os males que o transgenerismo está causando às mulheres, crianças e à sociedade em geral. Se esse negócio de “trans do bem” existe, então esses homens, os que abandonaram o rótulo de “trans”, são isso.
Andrea Dworkin e John Stoltenberg. Crédito da foto: ProFeministMen
Parte I: Introdução
Em reconhecimento ao décimo quinto aniversário da morte da grande Andrea Dworkin, seu parceiro John Stoltenberg, escreveu recentemente um artigo publicado da edição online do Boston Review. Você pode lê-lo aqui.
Aprecio e entendo completamente de onde o raciocínio de John vem; compartilho suas preocupações a respeito de qualquer ideologia ou ação que vise gerar preconceito, discriminação intrapessoal ou sistêmica, ou que replique qualquer encarnação de supremacia social. Como John, acredito que Andrea teria se oposto apaixonadamente a isso. Diferente de John, Andrea teria feito isso em qualquer lugar em que encontrasse esse tipo de coisa.
Acho tanto o título quanto o conteúdo desse novo artigo de Stoltenberg problemáticos em alguns aspectos. Stoltenberg aplica a Andrea um rótulo com a intenção de silenciar alguns sentimentos. Sua empatia pelos oprimidos é notória. Mas não existem declarações públicas dela que especificamente apóiem a pauta trans. Ela não era “anti-homem” e não acredito que ela seria “anti-trans”, muito menos deveria ser rotulada como tal. Mas não se pode atribuir afeição à ausência. Não se deve pegar termos de uma batalha que não era a dela e colá-los em alguém tão calejada quanto ela. Sei que John entende que rotular alguém incorretamente não é legal [1]. Chamo a atenção de John para que ele aponte com cuidado a posição dela e não se aproprie de algo que ela escreveu em um momento que seu trabalho teórico tinha problemas, reconhecidos por ela mesma. (Mais sobre isso adiante.)
Além disso, não vejo seu artigo apontando onde Andrea era ou não trans aliada. O artigo é sobre ideias e valores: dele, dela, e sua interpretação de termos que algumas feministas radicais às vezes usam. O artigo de John borra distinções, especialmente as de Andrea. Ainda mais grave, esse artigo ofusca os termos em que o trabalho público de Andrea exige para mobilizar ações em direção à mudança feminista revolucionária. Desses dois modos, sinto que ele exagera um bocado, desrespeitando-a no processo. Stoltenberg disse que foi ingênuo ao aprovar o título sugerido para seu artigo de 2014, “Andrea Dworkin Was Not Transphobic” [2]. Por quanto tempo a ingenuidade deve ser armazenada nesse seu arsenal defensivo? Somente uma grande quantidade de privilégio permite que esse prazo nunca expire. E tem mais: Andrea pediu postumamente para ser colocada em meio a uma batalha política polêmica que não escolheu?
Leitores, isso piora.
Parte II: Mulheres reais
John identifica usos de frases “mulheres de verdade” como uma afronta moral ao que Andrea trabalha e dava valor. Ao mesmo tempo, ele se recusa a evidenciar uma preocupação, um pesadelo muito evidente para ela na vida dentro do patriarcado que, eu acredito, a maior parte do feminismo radical coloca centralmente em sua teoria e ativismo: a mulheridade não é escolhida, é imposta. Ela tem um corpo; e o corpo é de uma fêmea. Andrea descreveu graficamente a violência contra ela, contra seu corpo, seu corpo de fêmea. Perceber essa conexão (e como uma pessoa não perceberia?) não torna a Dworkin, ou qualquer outra pessoa suportando e testemunhando as mesmas atrocidades, um essencialista de sexo. Como eu irei ilustrar, é o tema mais central, abordado em dúzias de discursos e artigos, e em todos os livros dela. Eu a vi falar muitas vezes, eu li os livros dela. Isso foi o que eu ouvi:
É contra o corpo feminino que a supremacia masculina de modo flagrante e sistematicamente se expressa na ordem de manter a dominância masculina de maneira natural, criada por deus, eterna, e inevitável. É contra o corpo feminino que a força patriarcal é lançada: brutalmente, sadicamente, quebrando ossos e matando. Através de todo o trabalho dela, Andrea abordou isso explicitamente: a violência contra os seios das mulheres, seus úteros, suas vaginas. O que eu ouço mais profundamente, mais ferozmente, na oposição raivosa das feministas radicais contra os elementos do essencialismo das políticas trans, em parte, é isso: Vocês estão fazendo esse entendimento parecer louco e imoral. E de forma amplamente literal. John não está ajudando. O patriarcado faz o tratamento dos homens para com as mulheres — para Andrea, para as feministas radicais, os teimosos seres humanos com a forma de fêmea — intimamente opressivo. As palavras dela expressam esse ponto muito melhor que as minhas.
Os atos de violência retratados na pornografia são atos reais cometido contra mulheres reais e meninas reais. (Letters from a War Zone, p. 11)
A realidade material das mulheres é determinada por sua característica sexual, a capacidade reprodutiva. O homem pega um corpo que não é dele, o reivindica, planta a dita semente, e colhe os seus frutos — ele coloniza o corpo feminino, rouba seus recursos naturais, o controla, usa, esgota aos seus desejos, nega a sua liberdade e sua auto-determinação para que ele continue a lucrar com esse corpo…(War zone, p. 118)
… Eu também aprendi muito sobre o poder masculino com [mulheres], quando eu me importei o bastante com as mulheres a ponto de entender que o poder masculino era um tema ao qual minha própria vida havia me levado. Eu conheço o poder masculino de dentro para fora, com o conhecimento que ganhei através desse corpo feminino. (War Zone, p 64)
Agora, essa repulsa é literal e linear: direcionada especialmente contra as genitais dela, e também os seios, e também a boca dela recentemente percebida como um órgão sexual. É um ódio esmagador (goose-stepping é uma expressão difícil de traduzir, alguma sugestão?) contra bucetas. A mulher não possui dimensão humana, nem significado humano. (Intercourse, p.9)
O que é incrível e inaceitável para mim é que apontar isso em voz alta é controverso, a não ser para o homem — então ainda é inaceitável enquanto é esperado e normal. John, muitas feministas radicais, e qualquer um que é familiarizado com ela sabe disso: Andrea valorizava a nomeação das condições da maneira que ela as enxergava, de maneira clara. Palavras educadas ou pisar em ovos eram repugnantes para ela. Ela odiava que palavras fossem colocadas em sua boca ou tiradas de contexto. Ainda assim, a representação dela feita por John retira o fato mais incisivo sobre isso: Materialmente, o diagrama de Venn consiste em um círculo.
Eu descobri de maneira perturbadora, através da última década e meia, que um pré-requisito para operar aceitavelmente em espaços queer liberais dominados por brancos, acadêmicos e variados, é especificamente o silenciamento de Andrea Dworkin, e de feministas radicais e lésbicas em geral. Esses são os locais onde eu cada vez mais evitei por causa do meu desdém pela ideologia que prevalece e as práticas anti-feministas.
Você não pode ler Dworkin racionalmente e terminar negando que a visão de mundo e a experiência dela funde-se com a experiência de milhões de mulheres, isso é compreendido: masculino significa homem, homens são macho; feminino significa mulher, mulheres são fêmeas. Ela não fugiu timidamente de dizer isso em círculos acadêmicos ou sociais. Ela não satisfez teoristas ocidentais que valorizam a diversidade sexual mais que a libertação das mulheres, que pensam que multiplicando os gêneros nós iremos chegar a uma nova forma de liberdade. Não há tal cobrança pela metamorfose metastática. Quando ela estava viva, Andrea nunca articulou uma hierarquia na qual mulheres oprimiam mulheres trans. Mulheres fêmeas eram, para ela, uma classe de (leia-se: reais) mulheres: “mulher”, não modificada por nenhum prefixo.
Recitar descaradamente essas quatro passagens acima não será tolerado em muitos espaços influenciados pelos essenciais especuladores liberais das teorias de sexo e gênero. Enquanto os Estudos das Mulheres foi modificado para Estudos de Gênero, as perspectivas feministas radicais foram marcadas como uma violação à política anti-discriminatória, sendo base para demissão. Aquelas feministas radicais corajosas que insistiram em nomear a realidade que elas e Andrea experimentaram, estão perdendo suas reputações, suas carreiras, e suas seguranças. De maneira alarmante, estão sofrendo doxxing, impedidas de falar, ameaças e aterrorizadas. Sobre isso, até agora, John permanece em silêncio.
Parte III: Transsexuais
Nesse artigo de Stoltenberg, em outros que ele publicou após a morte de Andrea, ele ressuscita o capítulo nove da seção quatro de seu primeiro livro feminista, o Woman Hating (1974). Do capítulo “Androgyny: Androgyny, Fucking, and Community”, a passagem que vem antes da citada no artigo de John.
Transsexualidade pode ser definida como uma formação particular da nossa multissexualidade geral que foi incapaz de se desenvolver naturalmente por conta de condições sociais adversas. (P. 186)
Seguindo sua discussão sobre transsexualidade, Dworkin prossegue discutindo travestismo no contexto de uma sociedade eroticamente repressiva:
O travestismo é fazer uso de figurinos que violam os imperativos de gênero. O travestismo geralmente é um ato sexualmente carregado: a violação pública e visível do papel sexual é erótica, excitante, perigosa. É um tipo de desobediência civil erótica, e este é precisamente o seu valor. O uso desses figurinos é parte da estratégia e do processo de destruição dos papéis sexuais. Vemos, por exemplo, que quando as mulheres rejeitam o papel feminino, elas adotam roupas “masculinas”. Com a dissolução dos papéis sexuais, o conteúdo erótico particular ao travestismo igualmente se dissolve. (P. 187)
Nesse capítulo, ela escreve de forma acrítica sobre contatos interpessoais estigmatizados ou abusivos que existem em uma sociedade eroticamente repressiva. O trecho a seguir é da introdução desta seção:
Homossexualidade, transsexualidade, incesto e bestialidade são tidas como “perversões” dessa “natureza humana” que presumimos saber tanto a respeito. Elas persistem independente das imensas forças dirigidas contra elas — leis discriminatórias e práticas sociais, ostracismo, perseguição ativa pelo estado ou por outros órgãos da cultura — como embaraços inexplicáveis, como exemplos odiosos de “imoralidade” e/ou “desajustamento”. (P. 174)
Na conclusão, ela acrescenta: “Devemos nos recusar a nos submeter aos medos inculcados pelos tabus sexuais” (P. 192). Em 1989, em uma entrevista, Dworkin aponta que nesse momento teorizava a partir de conhecimento pouco e não integrado; teoria essa que ela abandonou e criticou posteriormente [5].
Uma vez que conseguiu embasar e integrar a teoria, de Pornography: Men Possessing Women (1981) até Heartbreak (2002), ela jamais cita novamente questões centrais ou periféricas nos termos que John mais utiliza: não existe qualquer chamado à multiplicidade de gêneros; a importância da multissexualidade desaparece; o foco em papéis sexuais fictícios e estáticos se tornou cada vez mais fraco; os libertadores dos tabus sexuais se revelaram predadores; ela nega que a androginia seja a salvação. Ela se despede disso tudo sem remorsos.
A transsexualidade também desaparece da obra de Dworkin, com exceção de duas menções na portaria antipornografia escrita em parceria com MacKinnon: “O uso de homens, crianças e transsexuais no lugar de mulheres…” e, “qualquer homem, criança ou transsexual que alegar ter sofrido danos causados pela pornografia nos mesmos termos em que as mulheres sofrem…[5]” Sobre isso, John diz: “Quero apenas pontuar que Andrea entendia de forma profunda que uma pessoa poderia ser subjugada como uma mulher sem ter sido registrada como fêmea ao nascer…”
“Subjugada como uma mulher”. Não enquanto mulher. A portaria trouxe à consciência o fato de que a pornografia pode tratar todo mundo mal, da mesma forma que, mais frequente e mais centralmente, a pornografia faz com as mulheres. Uma menina, uma mulher: do nascimento à morte. Era claro para Andrea e Catherine, nesse mecanismo legal radical para acabar com a discriminação baseada no sexo, que elas não igualavam a condição de ser transsexual com ser mulher ou homem. Para os propósitos de sua portaria, refletindo a vida como elas a conheciam, “mulher” eram, como elas, uma classe política e sexual oprimida.
Parte IV: Responsabilização
Eu chamo o John à parar de inferir que o radicalismo dela é resumido na seção pré-feminista de Woman Hating e um capítulo colonialista em seu segundo livro, Our Blood(1976), na qual ela desembaraça a filosofia prevalente de gênero, e, de maneira alarmante, postula Columbus como um héroi radical. (p 97, 110). Eu acredito que o radicalismo dela, a missão dela, é encontrada em outros lugar. Da introdução de Woman Hating:
Esse livro é uma ação, uma ação política onde a revolução é o objetivo. Não há outro propósito. Não é uma sabedoria genial, ou merda acadêmica, ou ideias gravadas em granito ou destinadas à imortalidade. É uma parte de um processo e seu contexto é a mudança. (p. 17)
Se John está a referenciar o trabalho da Andrea, ele precisa parar de silenciar ela no que significava mais para ela. Ao não fazer isso é apropriar-se indevidamente em nome do pro feminismo radical. Nós sabemos que ele é familiarizado com a prática. Do artigo do John: “Após a morte da Andrea em 2005, eu fiquei cada vez mais preocupado que ela e a política radical que eu aprendi com ela estavam sendo apropriadas indevidamente por alguns…” Eu chamo o John para que ele resolutamente se responsabilize.
Após a sua morte, tem sido triste ver o grau de diferença em que se move a óbita da trajetória política do John. Eu já fiquei enraivecido em ver as maneiras em que ele apagou a trajetória da Andrea. Essa é a minha visão sobre os respectivos trabalhos. No diagrama de Venn, o círculo dele é aquele em várias cores; o dela é totalmente eclipsado.
O que segue em alguns trabalhos do John.[6] Eu acredito que é nisso que está a sua paixão — em discussões de gênero como essa:
Pense em uma roda de cores. E não pense em uma roda com as cores segmentadas por linhas como se fosse uma roda de carroça; pense em uma onde as cores se mesclam e borram entre elas como se fossem um arco-íris circular infinito que é o espectro visível:
Figura 1: Espectro cromático
Isso vale para qualquer indivíduo, o que pensamos sobre sexo e gênero é na verdade mais como um ponto qualquer numa roda de cores (ao contrário de um ponto qualquer em um contínuo linear com dois fins, no qual cada um representa dois pólos de um binário).
Leitores, isso não é coisa dela.
Parte V: Conclusão
Talvez Andrea não tenha estabelecido uma posição pública de um modo ou outro nessas batalhas por conta da época em que ela escrevia. Consciente da empatia e compaixão dela pelos oprimidos, simplesmente não há qualquer evidência dela sendo trans aliada da forma como tenho visto o termo ser usado [7]. Digo isso sem qualquer satisfação ou escárnio. Estou atestando um fato. Como ponto de comparação razoável: se, quarenta anos atrás, um heterossexual escrevesse afirmativamente sobre a comunidade lésbica, bi e gay e não tivesse se posicionado mais desde então sobre as dificuldades dessa comunidade de sobreviver numa sociedade ultrajantemente homofóbica, deveria ele ser considerado um aliado? Espero que todos concluamos que a resposta deva ser “não”. Aqui, John é o aliado; Andrea era a pesquisadora.
O que as pessoas — trans, queer ou quem quer que seja — podem fazer para honrar a memória de Andrea é ler todos os livros dela e lutar pelo fim da supremacia masculina racista em todas as suas manifestações, na teoria e na prática.
As visões de Andrea estão melhor exprimidas em seus próprios termos em seu próprio trabalho. Não que não possam ser discutido e debatidos. Não que não possamos imaginar que posições ela tomaria a respeito de um dado assunto. Não consigo contar quantas vezes me peguei me perguntando: O que Dworkin faria? Infelizmentes, desde sua morte, pessoas que se identificam das mais variadas formas possíveis, abraçando as mais várias ideologias, com diferentes pautas políticas, metaforicamente forçando o braço na tentativa de encaixá-la firmemente em um lado ou outro desse intenso debate trans. Ela deve ser defendida, mas não de formas indefensáveis. Andrea Dworkin lutou duramente o bastante no campo de batalha. Que ela descanse, com todas as honrarias, em poder e paz.
Notas
[1] John assume que “transsexual” e “transgênero” são termos sinônimos. Muitos de nós no Ocidente sabemos que isso é falso. Por exemplo, existem pessoas não brancas e indígenas que rejeitam a autoridade, as pautas e as apropriações racistas do pacote de políticas sexuais e de gênero do queer. Existem apoiadores do feminismo radical que são trans que não se identificam como transgêneros por razões políticas. O termo “trans” no título do artigo de John, na verdade, é comumente usado pela comunidade LGBTQIA como um termo guarda-chuva para incluir tanto pessoas que se identificam como transsexuais quanto aquelas que não. Às vezes, “trans” é sinônimo de “queer”. Se ele não sabia disso, deveria, antes de identificar Andrea como “trans aliada”. Ele, como homem gay, não está em posição de fazer essa afirmação. Sua falta de responsabilidade, se não de conhecimento, da existência de apoiadores trans do feminismo radical revela aliança com apenas algumas letras do acrônimo. Vide nota 7.
[2] Depois de escrever esse post, achei um artigo arquivado de John entitulado “Andrea Dworkin Was Not Transphobic” (2014). Eu lembrava de tê-lo lido quando me dei conta de que não o podia mais encontrar. Assim que encontrei, fiquei cativado pelos comentários. Eles casam tão bem com essa discussão que quero linká-los aqui, com destaque especial para os comentários de Morag e Lil Z.
[3] Os espaços onde atuei social e academicamente têm sido majoritariamente liderados ou dominados por teorizações anglófonas ou ocidentais. Quando nós que somos brancos falamos de feminismo ou políticas queer, geralmente significa um ponto de vista específico. Estou a par das comunidades, perspectivas e pautas antirracistas. Análises dos desafios complexos, não apenas no sentido da colonização ocidental e anglófona na cultura e no pensamento, estão além do escopo desse material sobre Andrea Dworkin e John Stoltenberg, e o uso dele dos escritos dela são a respeito de sexo e não sobre raça.
Um minha entrevista com Dworkin em 1989, ela indica que não concorda mais com algumas sugestões propostas no fim do livro. “Acho que tem um monte de coisas realmente erradas no último capítulo de Woman Hating”, diz Dworkin. Quando perguntada especificamente sobre suas discussões sobre incesto, ela apontou diversos fatores que a influenciaram nessa parte da escrita. Primeiro, na época em que ela escreveu o livro, ela estava cuidando de uma criança que tinha sofrido abuso incestuoso, e ainda que ela tivesse falado com a polícia da Holanda sobre a prevalência do incesto lá, ela conta que havia uma lacuna entre sua análise intelectual e experiência prática da questão. Foi apenas com a escrita de Woman Hating e com as respostas que recebeu a ele que sua experiência subjetiva — não apenas sobre incesto, mas sobre violência doméstica e prnografia também — foi validada pela experiência de outras pessoas, e foi quando ela começou a entender o incesto como uma forma de abuso sexual. Ela também fez referência ao fato de ter sido influenciada por “anos de leitura de Freud e tentativas de fazer aquilo tudo fazer sentido de forma abstrata”, especialmente em razão da falta de informação disponível publicamente sobre a predominância do abuso sexual. Finalmente, Dworkin também destaca que ainda que feministas e pornógrafos estivessem se movendo em direções diferentes na época em que Woman Hating foi escrito, eles ainda compartilhavam das mesmas raízes da contra-cultura e do movimento de liberação sexual. Dworkin, em entrevista à autora, 1989.
[5] Sobre a portaria, veja Pornography: Men Possessing Women, edição comemorativa de dez anos (1989), nova introdução, P. XXXIII. Ver também a portaria de Massachusetts (1992).
Como a misoginia está sendo usada para sufocar o debate das mulheres sobre sexo e gênero
Traduzido do site da campanha Fairplay For Women, grupo apartidário que visa defender mulheres e meninas das possíveis vulnerabilidades legais que as novas leis de identidade de gênero podem criar ao remover proteções específicas ao sexo feminino.
Este relatório discute a forma como a voz de algumas mulheres tem sido calada dentro do debate político e social sobre sexo e identidade de gênero. As mulheres têm uma contribuição importante e legítima a fazer, mas essa censura está impedindo um debate justo e livre. O objetivo deste relatório não é apontar as questões e preocupações das mulheres, mas o de destacar como e porque as mulheres têm sido excluídas. Isso é conseguido através da demonização das mulheres com visões críticas de gênero através do uso difundido de ofensas misóginas e acusações de transfobia. Esse relatório descreve as formas como mulheres estão sendo vítimas de abuso, hostilidade e ações criminosas motivado por ódio e preconceito no que diz respeito às suas opiniões sobre sexo e gênero. As consequências disso são que as visões das mulheres não estão sendo representadas com justiça por conta de silenciamento baseado em ódio, por causa de medo, vergonha e rejeição.
1.0 Cenário político
O governo britânico anunciou sua intenção de reformar o Ato de Reconhecimento de Gênero de 2004 [GRA, na sigla em inglês]). Em outubro de 2007, Theresa May disse publicamente: “Temos planos de reformar o Ato de Reconhecimento de Gênero, simplificando e desmedicalizando o processo de mudança de gênero, porque ser trans não é uma doença e não deveria ser tratado como tal”. A Secretaria do Governo para Igualdade está atualmente rascunhando um documento de consulta pública a ser publicado em algum momento este ano. Esse documento vai informar a Ministra de Mulheres e Igualdades (atualmente Amber Rudd), que vai trazer ao governo propostas na forma de um projeto de lei para o parlamento.
O governo do Partido Nacional Escocês completou sua própria consulta pública com planos de usar seus poderes constituídos para implementar um processo de auto declaração na Escócia. Ela também propõe a introdução de um sistema legal de mudança de gênero para crianças e o aumento do reconhecimento de identidades não-binárias. Estamos atualmente esperando os resultados dessa consulta serem publicados e o projeto de lei a ser apresentado no parlamento escocês.
Partidos oposicionistas também expuseram suas intenções de reformar as leis de reconhecimento de gênero com o manifesto do Partido Trabalhista de 2017, afirmando: “Um governo Trabalhista irá reformar o Ato de Reconhecimento de Gênero e o Ato da Igualdade de 2010 para assegurar que protejam as pessoas Trans mudando as características protegidas [por lei] ‘atribuição de gênero’ para ‘identidade de gênero’ e remover outros termos desatualizados como ‘transsexual’”. Jeremy Corbyn também indicou seu apoio à auto identificação de gênero, evidenciado por essa afirmação feita no programa de Andrew Marr da BBC em janeiro deste ano: “A posição do partido é que se você se auto identifica como uma mulher, então será tratada como uma mulher”.
O manifesto dos Democratas Liberais afirma: “Apoiaremos uma atualização do GRA para que seja mais inclusiva removendo a exigência de um diagnóstico para disforia de gênero”. A líder do Plaid Cymru [partido de centro-esquerda do País de Gales], Leanne Wood, afirmou publicamente: “Acredito que mulheres trans são mulheres” ainda que não tenha firmado nenhum manifesto assumindo esse compromisso.
A questão dos direitos dos transgêneros é, então, uma área de debate político legítima e ativa na qual todos os envolvidos têm o direito de se envolverem e se espera isso deles. Há também um debate mais amplo e necessário a respeito das definições e do uso de certas palavras (sexo, gênero, macho, fêmea, mulher, homem, gay, hétero etc).
2.0 Mulheres também têm interesses em jogo nesse debate
As mudanças propostas nas leis de reconhecimento de gênero significam que o processo de mudar o sexo legal de alguém de masculino para feminino (e vice-versa) será feito de forma mais rápida e fácil. Atualmente, a pessoa deve prover evidência médica a uma Banca de Reconhecimento de Gênero antes de receber um Certificado de Reconhecimento de Gênero (GRC, na sigla em inglês). Uma vez que um GRC completo é atribuído a um requerente, o gênero da pessoa muda para o gênero requerido, de modo que um requerente que nasceu homem poderia, pela lei, e para todos os efeitos, se tornar uma mulher. Eles podem obter uma certidão de nascimento substituta com sua designação sexual pretendida. Mudar os critérios pelos quais uma pessoa nascida homem pode se tornar legalmente mulher vai potencialmente impactar mulheres legalmente fêmeas em virtude de seu nascimento como tal. Desse modo, mulheres também têm interesses em jogo nesse debate além da comunidade transgênero, e têm um papel legítimo a cumprir em qualquer debate ou tomada de decisão.
Se mudar a designação sexual legal de alguém se tornar nada mais que um processo de auto identificação (por exemplo, assinando um formulário), então isso significa efetivamente que qualquer homem pode se capaz de se declarar mulher. Uma vez que crimes violentos e sexuais são majoritariamente cometidos por homens, e mulheres são as vítimas desses crimes, qualquer mudança na lei e na cultura que aumenta a possibilidade de homens acessarem espaços e serviços destinados exclusivamente a mulheres deve ser considerad nos termos de seus impactos na segurança, dignidade e privacidade das mulheres. As mulheres têm algumas importantes preocupações e questões sobre isso, que incluem:
Como as mulheres prisioneiras serão mantidas em segurança se qualquer prisioneiro homem pode mudar seu sexo legal (sem qualquer exigência de cirurgia ou tratamento médico) e ser realocado a uma prisão feminina?
Se tanto nascidos homens e nascidas mulheres podem ser legalmente reconhecidos como mulheres, como a discriminação sexual que as mulheres sofrem baseada em sua biologia poderia ser registrada, monitorada e diminuída?
Como as mudanças legais afetarão os direitos e a disposição de uma organização de invocar as isenções legais para um único sexo, a fim de manter espaços exclusivamente para mulheres apenas para nascidas mulheres?
Com o súbito e rápido crescimento do número de crianças sendo encaminhadas a serviços de especialistas em gênero (a maioria meninas adolescentes), cujo tratamento pode resultar em intervenções médicas pelo resto da vida e esterilidade, como pais e profissionais podem garantir que essas crianças estejam a salvo, na ausência de pesquisas de longo prazo baseadas em evidências?
Como o aumento observado de transições de jovens mulheres lésbicas em homens transgêneros héteros pode impactar a comunidade lésbica? Como o aumento observado de homens héteros se identificando como mulheres trans lésbicas impacta a comunidade lésbica?
O objetivo deste documento não é responder essas questões, mas meramente mostrar a ampla gama de tópicos slegítimos que impactam e preocupam mulheres, e porque a qualquer mulher deve ser permitida a participação livre nesse debate público e político.
3.0 O silenciamento direcionado a mulheres
Há evidências claras de que mulheres que fazem perguntas ou demonstram suas preocupações estão sendo especificamente alvo de silenciamento. Seus motivos e visões são injustamente denunciados como transfóbicos e inspirados em ódio. Isso impacta diretamente essas mulheres, mas também induz um clima de medo e vergonha para impedir que outras mulheres falem ou aprendam mais sobre as questões que também as impactam. Também significa que as vozes de algumas poucas mulheres que conseguem ser ouvidas sejam repudiadas ou desacreditadas. A demonização e a marginalização do papel de um grupo na sociedade é uma tática bem conhecida. É explorada pelos opressores e não deve ser tolerada numa sociedade democrática onde o princípio da liberdade de expressão é encorajado e valorizado. Alguns exemplos bem conhecidos incluem a demonização dos judeus por Hitler, a difamação racista de imigrantes, e o desastre de Hillsborough provocado pelos torcedores do Liverpool em uma briga de torcida [1].
Mais especificamente, a estratégia misógina de tornar mulheres em alvos para silenciá-las e controlá-las é uma tática bastante antiga. A queima de bruxas, os assassinatos por honra, a culpabilização de vítimas de estupro, e a desmoralização das mães solteiras são apenas alguns exemplos. A Sociedade Fawcett recentemente tornou público seu apoio para que a misoginia seja considerada um crime de ódio juntamente com racismo, transfobia, homofobia etc. A misoginia é comum em todo lugar e não é um fenômeno novo, e tem todas as características identificáveis de ser motivada por ódio e preconceito.
A transformação de mulheres que se engajam no debate sobre identidade de gênero em alvo motivada por ódio é claramente evidente. Isso pode ser visto através do uso de termos ofensivos sexistas para demonizar esse grupo de mulheres e normalizar a violência contra elas. Isso facilita o controle das mulheres pelo medo, vergonha e rejeição. Mulheres estão sendo silenciadas pelo medo de violência na vida real ou de danos em suas carreiras e reputações. Mulheres têm sido silenciadas através da vergonha de terem seus nomes expostos publicamente e suas opiniões rotuladas como cheias de ódio e transfóbicas. Mulheres têm sido silenciadas por rejeição, tendo suas opiniões desacreditadas ou censuradas. Todos esses três métodos serão agora discutidos e ilustrados com exemplos.
4.0 O uso de termos ofensivos sexistas para demonizar e normalizar a violência contra mulheres
O termo TERF é agora comumente usado como uma ofensa sexista para rotular como transfóbicas e preconceituosas mulheres que falam a respeito desses assuntos, que então devem ser afastadas e ignoradas. Ainda que tenha sido originalmente definido por seus oponentes como um acrônimo de Feministas Radicais Trans Exclusionárias, ele é agora usado para descrever literalmente qualquer mulher que faça perguntas ou levante suas preocupações no debate sobre transgêneros. Essa palavra não é reservada apenas para as mulheres mais ousadas e provocadoras, mas para qualquer mulher comum. Qualquer mulher.
Há clara evidência de que “terf” agora aparece como insulto, ameaça e incitações, e sua designação como um insulto é discutida por experts em linguística como Deborah Cameron. “Terf” agora é usado em um tipo de discurso que tem claras similaridades com discursos de ódio direcionados a outros grupos. “Terf” aparece com frequência nos mesmos tweets junto com outras palavras das quais não se divida de seu caráter enquanto ofensas sexistas, como “cadela” e “puta” [cunt]. Outras palavras que também aparecem incluem “nojenta”, “feia”, “escória” e mais um grupo de palavras que implicam em sujeira (“fedor”, “ranço”, “lixo”, “imundície”) — que também são um tema bem explorado nos discursos racista e antisemita. Da mesma forma, o insulto sexista feminazi é também frequentemente usado.
Na imagem, transativistas ofendem mulheres com insultos e as ameaçam de violência.
Ofensas e ameaças de transativistas direcionadas a mulheres que questionam suas ideias.
Feministas têm há anos alertado contra a retórica violenta vinculada à palavra “terf” e tem-se escrito frequentemente sobre seu uso como um termo sexista de ódio; Megan Murphy, Clare Heuchen, Rebecca Reilly-Cooper, Sarah Ditum. Piadas e ameaças envolvendo vioência contra mulheres, muitas vezes indistinguíveis, são agora comuns na internet. Emblemas vendidos na Etsy misturam a libertação dos trans com violência contra mulheres. Mulheres não abordam os assuntos sexo e gênero a partir de uma posição de poder — o sexo biológico tem sido usado, por centenas e centenas de anos, para oprimir mulheres.
O transativista do sexo masculino Katherine Drevis ameaça mulheres de violência abertamente.
Mais ameaças e violência contra mulheres sendo trivializada.
Mulheres podem ser rotuladas como transfóbicas odiosas por expressarem quase qualquer tipo de opinião ligada à biologia das mulheres. Por exemplo, Nimko Ali foi condenada por transativistas como transfóbica por conta de suas opiniões enquanto sobrevivente e ativista contra a mutilação genital feminina.
Negar a realidade biológica do dimorfismo sexual da espécie humana é hábito comum de transativistas.
Outras mulheres são condenadas por apontarem que mulheres têm necessidades específicas, proteções e experiências que carecem de provisões legais de serviços e espaços apenas para mulheres.
Debater racionalmente não é uma especialidade dos transativistas.
Há literalmente centenas de exemplos de posts em mídias sociais usando a palavra “terf” e outras do tipo para desmerecer e ameaçar mulheres. Esses exemplos são catalogados em uma porção de sites como Terf is a slur, Transcriticalhate, Anti-female receipts, The new basklash.
5.0 Silenciando mulheres através do medo
As mulheres estão sendo controladas através do medo das consequências de suas discussões a respeito do conceito de identidade de gênero e por levantarem questionamentos e preocupações. A violência física, intimidação e danos à reputação e carreira dispensados àquelas que falam a respeito as deixam com medo de continuarem falando. Isso também funciona como um aviso a outras mulheres, que temem que o mesmo ocorra a elas. Para algumas mulheres com famílias e outros compromissos, o custo pessoal a si mesmas e aos que delas dependem é simplesmente alto demais para se colocar em jogo.
5.1 Mulheres temem ameaças de violência real
Pesquisas têm mostrado uma ligação clara entre desumanização de grupos sociais e a perpetração de violência contra eles. É óbvio que a desumanização das mulheres ao ponto de serem consideradas alvos legítimos de violência aumenta o risco de violência física contra elas. Quando a sociedade aceita ou não questiona essa retórica de “soque uma terf”, então as testemunhas disso se tornam cúmplices. Essa incitação ao ódio às mulheres consideradas “terfs” (incluindo mulheres que simplesmente se associam ou querem ouvir o que “terfs” têm a dizer) fez com que uma mulher apanhasse.
Em 13 de setembro de 2017, uma mulher de 60 anos chamada Maria MacLachlan levou um soco e foi atirada ao chão por manifestantes que aguardavam para ver uma palestra chamada “O que é Gênero” sobre mudanças na lei de reconhecimento de gênero. O incidente no Speaker’s Corner de Londres foi filmado e o transativista Tara Flik Wood foi preso pela polícia. O julgamento está agendado para abril. Wood postou nas mídias sociais pouco antes: “Quero foder com algumas terfs”.
Transativista compara mulheres que fazem perguntas demais a facistas.
Em novembro de 2017, Helen Steel interveio para que se parasse o bullying direcionado a duas mulheres que estavam distribuindo panfletos sobre a reforma do GRA na Feira de Livros Anarquista que foram cercadas e ameaçadas por transativistas. Meia hora depois, ela foi cercada por durante uma hora por um grupo de cerca de trinta transativistas que gritavam ofensas misóginas como “terf feia”, “escória terf fodida”, “cadela”, “fascista” entre outros.
Em março de 2018, Paula Lamont foi violentamente e verbalmente assediada e intimidada por um grupo de pessoas gritando “Terf Terf Terf” e “Tirem-na daqui, ela é uma Terf”. A polícia interferiu. Acredita-se que o ataque está relacionado a terem-na reconhecido por ter participado de um encontro sobre as mudanças planejadas para a GRA feito pelo A Woman’s Place UK (WPUK) em Londres em 27 de fevereiro. Paula disse: “O que mais me entristece sobre esse incidente é que, da grande turba que me cercou e presenciou um ataque completamente unilateral e não provocado, ninguém se sentiu inclinado a interferir. Foi um exemplo chocante de mentalidade de manada. Em nenhum momento eu disse ou fiz qualquer coisa que pudesse ser interpretado como agressivo ou ofensivo”. Esse incidente alarmante não destaca apenas como mulheres individuais agora correm riscos pessoais para conseguirem acesso a informação a respeito de mudanças que vão impactá-las. Ele também mostra como outras pessoas também estão assustadas demais ou simplesmente não estão dispostas a interferir e apoiarem o direito das mulheres de participarem do debate. A filmagem desse incidente pode ser vista aqui.
Pichações incentivam a violência contra mulheres que questionam a ideologia trans.
Há também muitos casos de violência acontecendo fora do Reino Unido. Aproximadamente trinta transativistas vandalizam, destruíram livros e assediaram feministas na abertura da Biblioteca das Mulheres de Vancouver, administrada por trabalho voluntário. Em suas paredes foram pichadas as palavras “FORA TERFS”. Apesar das alegações dos manifestantes de que a biblioteca era “exclusionária de trans e trabalhadoras sexuais”, ela não é nada disso, e o site da biblioteca afirma: “Nós saudamos todas as mulheres, independente de credo, classe, gênero, raça, sexualidade”. Os manifestantes exigiam que vinte livros fossem banidos da biblioteca.
Mulheres que participavam de um evento do WPUK em Edimburgo foram assediadas por manifestantes. Eles fizeram barulho durante todas as palestras, incluindo gritar enquanto mulheres contavam suas experiências com a violência masculina. Eles estavam mascarados e filmavam as participantes. Depois, atacaram o local. Transativistas também enviaram mensagens diretas individualmente para as mulheres que acompanhavam o WPUK nas mídias sociais, em uma clara tentativa de intimidar futuras participantes.
Transativista tenta impedir discussão a respeito do “A Woman’s Place UK”
5.2 Mulheres têm medo de danos à sua reputação profissional
O medo de serem rotuladas como “terfs” significa que muitas profissionais estão impedidas de falar sobre o assunto abertamente em público ou no trabalho. Isso é particularmente comum entre mulheres que trabalham na academia ou em serviços em favor das mulheres. Há uma thread muito esclarecedora no Mumsnet onde mulheres postam sobre como temem que suas reputações profissionais sejam prejudicadas e suas ambições de carreira, ameaçadas. Inúmeras envolvidas no setor de apoio às mulheres têm sido silenciadas temendo que o serviço social voltado a mulheres que realizam possa ser impactado de modo prejudicial. Esses temores incluem que os serviços prestados nessas casas de apoio virem alvo de transativistas ou tenham seu financiamento cortado. O medo pelo corte de verbas está dentro do contexto que vai de 2010 a 2015, quando autoridades locais que financiavam serviços de combate à violência contra a mulher como abrigos e aconselhamento foram cortados em média em 30%, apesar de a violência contra mulher ter sido um crime que aumentou neste mesmo período de tempo. Serviços genéricos de “tamanho único” de grandes prestadores de serviço não especializados também têm levado a preferência em comissões no lugar de serviços especializados e exclusivos para mulheres que as usuárias preferem.
Poucas mulheres estão fora do armário para serem citadas aqui mas fala por si só que as mulheres por trás do WAPOW (Women Analysing Policy on Women, “Mulheres Analisando Políticas voltadas a Mulheres” na sigla em inglês) mantenham-se todas anônimas. O WAPOW submeteu um estudo para o Inquérito para a Igualdade Trans de 2015, mas como todos os outros grupos feministas críticos de gênero, elas não foram convidadas para apresentar suas evidências em nenhuma conferência. Tais grupos são repudiados como “feministas de araque” pela chefe do comitê, Maria Miller.
Em um encontro recente do WPUK em Birmingham, Karen Ingala-Smith (chefe de um refúgio independente para mulheres chamado Nia) compartilhou como ela nunca falou publicamente sobre a questão trans por medo de que seu trabalho de caridade, e as mulheres que ela apoia, se tornem alvos.
Neste exemplo anônimo (à esquerda) a apresentadora mulher sugere aos seus colegas que também incluam visões críticas de gênero [em suas ementas] para que os estudantes saibam a respeito do que é o debate. A resposta foi de que eles só deveriam apresentar o ponto de vista transgênero. O exemplo ao centro mostra uma mulher que foi denunciada ao seu empregador (BBC) por postar um “artigo transfóbico”. O exemplo à direita mostra uma mulher sendo denunciada na universidade onde trabalha por pedir explicações sobre sexo biológico.
Negação da realidade biológica das mulheres é uma das estratégias dos transativistas.
A acadêmica e filósofa social Heather Brunskell Evans foi a porta-voz eleita pelo Partido pela Igualdade das Mulheres (WEP, na sigla em inglês) para falar sobre políticas sobre violência contra mulheres e meninas. Como consequência por ter expressão sua opinião no programa Moral Maze da BBC Radio 4 em 15 de novembro de 2017, algumas reclamações foram feitas por um ou mais membros do partido WEP.
Interrogada por Michael Burke, ela questionou que se adultos de bom senso não confirmam as afirmações de uma criança de sete anos de que ela é, por exemplo, um astronauta, por que transativistas querem que pais “reafirmem” cada criança que sugere estar “no corpo errado”. Ela também disse que “Uma sociedade genuinamente progressista permitiria aos meninos e meninas ser qualquer coisa que quiserem, então estou absolutamente feliz se garotos quiserem usar vestidos… Mas o problema é quando decidimos que a criança, genuína e internamente, em algum sentido, não é um garoto, mas uma garota, e aí que mora o perigo. Então, acredito que não há nada de errado se um menino quiser usar vestidos.
Depois de uma audiência disciplinar, o Comitê Executivo do WEP atendeu às reclamações e, em 20 de Fevereiro de 2018, ela foi suspensa do cargo para o qual foi eleita.
No final de novembro de 2017, uma reclamação foi feita à universidade empregadora de uma professora sênior de Humanidades a respeito de suposta transfobia no Twitter. Ela recebeu uma carta informando que estava sob investigação formal por transfobia, o que podia levar a procedimentos disciplinares. A questão foi levada às últimas instâncias da Universidade pelo Diretor de Recursos Humanos. A reclamação foi feita por um estudante de uma outra escola e disciplina. Ela foi acusada de transfobia porque retuitou o link para um blog que “trocava o gênero” de um artista performático de gênero fluido. Alegaram que isso era evidência de que ela poderia errar o gênero de algum estudante e que suas visões políticas poderiam dar uma impressão injusta a respeito dos estudantes transgêneros. A reclamação dizia que “se a Dra. X mantiver essas opiniões, não deveriam permitir que ela continue ensinando na universidade”. Depois de dois meses de processo investigativo ela foi considerada não-transfóbica. Entretanto, o estresse experienciado por causa da investigação foi imenso e resultou que ela teve que pôr de lado vários compromissos acadêmicos, em detrimento de sua reputação profissional. Alguns colegas de fato se aproximaram dela para perguntar se estava gravemente doente. Um deles admitiu que pensou que ela tivesse sido diagnosticada com câncer.
Todos esses casos são lembretes incisivos para as mulheres de que as suas reputações pessoais e profissionais são vulneráveis a ataques se elas se engajarem publicamente no debate sobre identidade de gênero. Isso cria um clima de medo e silêncio e, como tal, muito poucas mulheres podem falar contra essa forma de discriminação e ataque ou se engajar em debate público. As poucas mulheres que decidem falar o fazem sobre um custo alto pessoal e sofrem backlash [2] inevitável por fazê-lo.
6.0 Silenciamento através da vergonha e da exposição pública
A exposição pública de mulheres como “terfs” agora é comum. Algumas mulheres têm sido “expostas” nas mídias sociais se identificadas como alguém com opiniões críticas de gênero. Existem listas públicas com nome de usuário de mulheres identificadas como “terfs” no Twitter. A lista de bloqueio do Twitter Terfblocker.com atualmente contém 2638 nomes. O critério para caso você seja colocada nessa lista não é claro. Meu próprio nome de usuário (@asknic) está nessa lista a despeito de eu nunca ter postado um único tweet transfóbico. Meu “crime” é simplesmente que me oponho publicamente às mudanças da GRA 2004 e que escrevo artigos fundamentados em evidência que promovem um entendimento e consciência maiores das preocupações das mulheres nesta área.
O Terfoutlabour publicou uma lista de mulheres membros do Partido Trabalhista que publicamente apoiaram a campanha de financiamento coletivo feita para bancar uma futura objeção legal contra a política do Partido Trabalhista de incluir pessoas auto identificadas como mulheres trans na All Women Shortlist. O Ato da Igualdade de 2010 dispõe em lei como o All Women Shortlist tem por objetivo o aumento da representação política das mulheres e é restrita somente a membros da categoria protegida por lei do sexo feminino. Pessoas auto identificadas como mulheres trans mantém seu status legal de [pertencentes ao] sexo masculino a menos que recebam o certificado de reconhecimento de gênero para mudar seu status legal para o sexo feminino. Entretanto a política do partido trabalhista tem sido a de permitir legalmente que trans do sexo masculino (sem o certificado) tenham acesso à All Women Shortlist. Essa política está atualmente sob revisão do partido depois de reclamações de que isso não é permitido sob a lei atual. Todavia os três ativistas que criaram esse site para expôr os nomes dessas mulheres alegam que aquelas que apoiam a campanha de financiamento coletivo “intimidam, vitimizam e assediam mulheres trans do Partido Trabalhista”. Um exemplo de carta é dado para que se possa reportar mulheres específicas para “qualquer oficial do partido que você ache que deva ser notificado desse flagrante preconceito”.
Transativistas expõem dados pessoais de mulheres que resistem ao seu assédio online.
Há também contas no Twitter cujo único propósito é “expôr” mulheres.
7.0 Silenciamento através da rejeição das opiniões das mulheres
Impedir mulheres de falar em eventos universitários é comum, indo desde feministas radicais bem conhecidas como Julie Bindel e Germaine Greer até a apresentadora do Women’s Hour Jeni Murray. Isso agora está sendo ampliado até campanhas de grupos de base de mulheres comuns que desejam falar sobre o impacto das leis transgêneros sobre as mulheres. Acontece tanto no Reino Unido quanto em escala global.
7.1 Grupos de mulheres estão sendo impedidos de falar
O Fair Play For Women foi convidado a falar em um evento público sediado pelos departamentos de Política e Sociologia da Universidade de Oxford. Porém, depois de anunciado, os organizadores decidiram cancelar o evento por causa de reclamações de transativistas. Fair Play For Women também foi recentemente convidado pela equipe da BBC a falar sobre a importância de relatos precisos e equilibrados a respeito do debate trans e porque é tudo tão controverso. O evento aconteceu, mas o pessoal da BBC teve a precaução de não anunciar a lista de convidados antes para o caso de acontecerem protestos ou reclamações de transativistas.
Um encontro organizado pelo grupo “We Need to Talk UK tour” estava originalmente marcado para acontecer no clube de futebol Millwall. Porém, depois que o local foi anunciado, o MillWall cancelou dizendo “Nunca vimos algo assim”, se referindo aos apelos e reclamações. Em vez disso, o evento foi presidido pelo parlamentar conservador David Davis na Câmara dos Comuns, que disse, em resposta à enxurrada de reclamações, “eu nunca vi algo assim em 13 anos sendo parlamentar”.
O Woman’s Place (WPUK) também organizou encontros abertos por todo o Reino Unido para discutir as implicações das mudanças na lei de reconhecimento de gênero. A política do WPUK é de só divulgar o nome do local logo antes do evento apenas para quem possui ingresso. A prática visa evitar que transativistas tentem intimidar os locais onde acontecem os eventos, de modo a levarem ao cancelamento ou fazer em protestos para perturbar o encontro.
Transativistas ameaçam impedir encontro de mulheres.
7.2 Mulheres comuns estão sendo banidas de fóruns online
Agora é comum que mulheres sejam removidas ou tem os seus comentários deletados de grupos de Facebook se postar em algo considerado “terf”. Seguem abaixo alguns comentários que tenho recebido de mulheres comuns a respeito de suas experiências:
‘Uma mulher artista amiga minha foi “convidada a se retirar” de um grande grupo de mulheres artistas da Escócia por dizer que mulheres têm vaginas — ela não é nem feminista ou politicamente ativa.’
‘Foi em um grupo de aleitamento materno. Tomei uma bordoada e tanto. Eles também também tentaram me “expor” no Mumsnet, mas pegaram a pessoa errada. Foi muito ruim, eu tive que desativar o Facebook por um tempo porque acabei recebendo algumas mensagens me dizendo que alguns membros estavam tentando levantar meus dados. Ainda estou abalada, porque era um ótimo grupo até então.’
‘Do grupo Worldschooling — por discordar num tópico sobre qual era o melhor lugar para levar uma criança de 7 anos para ter acesso a tratamentos hormonais.’
‘Do grupo Science-aware Natural Parenting — não fui oficialmente kickada, mas saí depois que muitos outros foram, e quando ficou claro que dizer que “garotos têm pênis” infringe a regra deles de “não usar linguagem transfóbica”.’
‘Não fui banida mas levei uma advertência de um dos administradores no Nerds With Vaginas que minhas opiniões eram “perigosamente próximas de transfobia”. Ela ficou bem puta que muitos membros gostaram do meu post sobre um garoto transgênero que queria processar sua escola por fazê-lo usar a enfermaria para se trocar. Perguntei se ele tinha considerado os sentimentos das meninas adolescentes.’
‘Fui banida do Science-aware Natural Parenting por perguntar o que as pessoas pensavam a respeito do documentário sobre crianças trans de Louis Theroux. Eu sabia muito pouco a respeito de gênero naquela época, mas o objetivo do grupo é que haja conhecimento baseado em evidência, e eu estava perguntando que evidências haviam para a transição de crianças. E quando continuei questionando, me disseram que eu era uma terf transfóbica, e fui banida do rupo sem nenhuma apelação. Foi uma membra regular do grupo por dois ou três anos, e descobrir tudo isso foi realmente muito entristecedor na época.’
Me relataram muitos outros grupos onde mulheres têm sido banidas por postarem visões críticas de gênero ou questões, comentários ou artigos a respeito da biologia das mulheres. Esses grupos incluem o Alternativa Left Women, Dismantling Misogyny, So you want to raise a feminist, How to raise a feminist, Cardiff Feminist Network, Cardiff Feminist Women, Anarcho Feminism 101, Gender Neutral Parenting, Slings and other things off topic, o fórum do Partido Trabalhista, ecologistas científicos… E devem haver muitos outros.
Transativistas exigem que pessoas do sexo masculino possam fazer parte de grupos de escotismo restrito a meninas.
Este [acima] é um exemplo de uma guia de escotismo para meninas (Girl Guiding) que estava preocupada com a segurança em relação ao risco de gravidez e assédio sexual. A política trans para garotas escoteiras é a de permitir que garotos que se identificam como meninas compartilhem a mesma tenda que as meninas, sem o consentimento informado de seus pais. Ela foi reportada e banida do fórum do Facebook por levantar essas preocupações.
7.3 Mulheres lésbicas têm sido silenciadas e sua sexualidade está sendo redefinida
Mulheres lésbicas são um grupo particularmente vulnerável uma vez que são alvo tanto de crimes de ódio homofóbicos quanto misóginos. O conceito de identidade de gênero bate de frente com o sexo biológico como marcador de diferença quando alguém é homem/macho ou mulher/fêmea, redefinindo os conceitos existentes de duas categorias protegidas dentro do Ato da Igualdade; a saber sexo e orientação sexual. Se um homem heterossexual (sexualmente atraído por mulheres) se identifica como uma mulher (sexualmente atraída por mulheres), sua orientação sexual é definida como sendo homossexual. Assim, agora temos pessoas nascidas homens com pênis e testículos dentro das possibilidades de relacionamento para mulheres lésbicas. Lésbicas que manifestam sua preferência por mulheres lésbicas são condenadas como transfóbics por fazê-lo. A teoria transgênero questiona todo o conceito de atração pelo mesmo sexo e é considerada por alguns como homofóbica. Dessa forma, alguns países (como o Irã), onde a homossexualidade é punível com a morte, já têm uma política de transições financiadas pelo estado para transicionar homossexuais para o gênero oposto. Isso efetivamente converte a orientação de uma pessoa gay para heterosexual e é claramente usado como método de conversão. Esses casos destacam o conflito inerente entre as bases teóricas da identidade de gênero (baseada em gênero) e a sexualidade (baseada em sexo). Mais informações a respeito disso podem ser encontradas na página da Lesbian Rights Alliance (LRA) aqui.
Esses exemplos mostram o banimento de uma mulher lésbica que descreveu sua sexualidade como apenas atraída por outras mulheres. Ela foi banida por transfobia e trans-misoginia. Isso é comumente referido como “teto de algodão” (o algodão se refere ao algodão da calcinha das mulheres lésbicas, através do qual homens que se dizem lésbicos esperam poder passar). Muitos outros exemplos de mulheres lésbicas sendo denunciados por suas preferências sexuais podem ser encontrados aqui.
Necessidades específicas de mulheres são rotuladas como “essencialismo biológico” por transativistas.
Isso se combina com a pressão social para que mulheres lésbicas que se vestem ou se apresentam de uma maneira mais “masculina” transicionem e se tornem homens trans heterossexuais. Isso é particularmente evidente entre a geração mais nova que está rejeitando a identidade lésbica em favor de uma identidade de homem trans ou não-binário. 70% de todas as adolescentes atendidas no serviço especializado em gênero do NHS (Serviço Nacional de Saúde, na sigla em inglês) são meninas lésbicas. A comunidade jovem lésbica é agora virtualmente não existente e a falta de modelos e exemplos de lésbicas para essas criança é pior do que nunca.
A comunidade lésbica está sendo cooptada duplamente, tanto na diminuição da representação quanto na redefinição do lesbianismo para incluir sexo com pênis na vagina. Infelizmente, a mudança de prioridades das organizações LGBT em direção aos projetos transgênero significam que o suporte a comunidade lésbica é ausente em um tempo em que elas mais precisam de ajuda. Mulheres lésbicas que falam dessa discriminação e da homofobia que sofrem estão agora sendo silenciadas e desacreditadas com base em transfobia. Não se está aqui em igualdade de condições. É irônico que, talvez a época em que a sociedade mais considera e mais aceita os direitos dos homossexuais, é a mesma época em que alguns setores da comunidade gay estão sendo severamente marginalizados.
7.4 As vozes das mulheres estão sendo desacreditadas
Mesmo quando as opiniões das mulheres conseguem ser ouvidas elas estão desacreditadas e desconsideradas. O exemplo mais recente tem sido as reações a publicação do pacote de recursos para escolas Transgender Trend.
Organizações transgênero atualmente provém para escolas treinamento e aconselhamento em assuntos do tipo, mas eles promovem somente a afirmação (de gênero) e o modelo de transição social. Em contraste, o guia do Transgender Trend é baseado na proteção do bem-estar dos direitos de todas as crianças, e é voltado para a criação de uma escola saudável para todos, incluindo crianças não conformadas ao gênero e àqueles que se identificam como transgêneros. Esse dia está alinhado com a abordagem “ponderada” dos Serviços de Desenvolvimento voltados à Identidade de Gênero (GIDS, na sigla em inglês) do NHS, especializado em apoiar crianças nas questões de gênero, e tem sido recomendado aos pais pelos chefes do serviço. Mesmo assim, os ataques venenosos de ódio direcionados ao guia e sua autora principal têm sido terríveis, ainda que esperados. É normal agora que qualquer um falando fora da ortodoxia trans seja ridicularizado e difamado.
Na imagem, transativistas assediam até mesmo seus aliados, caso fujam de sua narrativa.
Stonewall sugere que o guia seja destruído. Outro tweet sugere que ele deva ser arquivado. O ativista transgênero Guiliana o associa ao Minha Luta, de Hitler. A natureza extremista dessa campanha de difamação tem como intenção silenciar o debate e acabar com a reputação da autora do relatório.
Transativistas incentivam hormonização e sexualização precoce.
O trans ativista Shon Faye chama o Transgender Trend de uma organização anti-trans da linha de frente, e que o guia encoraja a terapia de conversão e transfobia institucional.
Um contraste extremo com um tweet anterior de Shon Faye, que resume seu próprio guia para escolas infantis na frase “chupe pau, coloque peitos logo”.
8.0 Conclusão
Através do uso de exemplos reais, este relatório mostra como algumas mulheres estão sendo injustamente visadas e assediadas com base em suas opiniões. Incidentes de ódio e crimes são motivados por misoginia e também homofobia. O resultado é que as vozes de algumas mulheres estão sendo silenciadas através de medo, vergonha e rejeição no atual debate a respeito de sexo e gênero. Isso significa que as leis podem ser mudadas sem que sua opinião seja considerada, a despeito de as mulheres serem uma parte importante no debate e com interesses em jogo que podem ser impactados com qualquer uma dessas mudanças. É crucial que essa forma de ódio misógino seja reconhecido pelo que é, e que não seja tolerado. Isso é essencial para assegurar um debate justo e livre a respeito de sexo e gênero por setores mais amplos da sociedade.
Notas
[1] Maior incidente violento na história do esporte britânico, o chamado Desastre de Hillsborough começou no estádio homônimo como uma briga entre torcedores do Liverpool e do Nottingham Forest. Noventa e seis pessoas morreram e mais de setecentas ficaram feridas durante a confusão, ocorrida em abril de 1986.
[2] Backlash é o termo que descreve uma reação contrária a algum evento, pessoa ou coisa que tenha ganhado notoriedade. Significa literalmente “contra-ataque”, e foi popularizado na teoria feminista com o livro Backlash: o Contra-Ataque na guerra não declarada às mulheres de Susan Faludi (1991).